A fidelidade das palavras
Vivemos mais a atraiçoar as palavras do que atraiçoados por elas.
Esquecemos todas as elaboradas formas com que nos debatemos, seja para atraiçoar, seja na forma mais usual, a de nos atraiçoarmos a nós mesmo. Este é o feitiço que as palavras possuem. Têm vida própria, são vivas, delicadas, rudes, fantasiosas e verdadeiras.
As palavras têm tempo e, esperam-nos na memória revivida da sua existência. As palavras deambulam, quase vagabundeiam, mas voltam sempre ao lugar onde pertencem. São actuais e prodigas, extenuantes e sensuais, mas rigorosamente pragmáticas. Voltam às nossas bocas solicitadas pelas noites e pelos dias, pela verdade e pela mentira, por deus e pelo diabo. Inconsequentes, esperam-nos como um juiz divino para se nos apresentarem em forma de pecado ou salvação, de penitência ou castigo.
As palavras têm cores e sabores, formas e musica no seu âmago. São hermafroditas, incoerentes, esperançosas, são lua, sol e mar.
As palavras são o código genético do nosso prolongamento sensorial. São mais sim do que não.
São mais eu, do que outra coisa qualquer.