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Cardilium

Cardilium

Para baralhar

Já me chamaram (por isenção de conhecimento) o pai do b2b, tudo bem, o meu humor (não entendível bastantes vezes) releva.

No 500 ano do nascimento do pai (este sim, pai) da língua da pátria lusa, esta língua que vamos assassinando aos poucos, troca a beleza adjectivacional da nossa pátria por anglicanismos importados que nos ferem, como se de valiosíssimas palavras se tratassem numa descrição sem raiz etimológica que a sustente “coisas” tão vulgares como “door to door”, “budget”, “target”, “STI – Short Terme Incentive” (este por grandeza de razão arrepia-me todo), carpark, packs, Agent Stores etc, etc, etc.

E eu?

Eu, ando num Portugal mais do que profundo a traduzir o que quero transmitir, que é basicamente, ganhas xis, ganhas ípsilon, ganhas xis mais ípsilon, e, já nem posso ouvir o meu companheiro do Palmas Gang, a embalar-me com um: “enquanto houver ventos e mar” – “a gente não vai parar”, e o Jose Mário Branco a gritar-me ao ouvido: “mudam-se os tempos mudam-se as vontades” verso extorquido a Luis Vaz de Camões, e eu a pensar na Laurindinha a “deitar os olhos ao mar”.

Vou-me fintando a mim mesmo como o Futre colado à linha a sentá-los na cabeceira, e vou lendo, o Lobo Antunes, o Luiz Pacheco, o Al Berto, a Sophia, a Natália, a Espanca, o Machado de Assis, o Marx, o Saramago e tantos e tantas outras e outros que me aconchegam antes de eu relativizar os milhões que são sempre escassos, e a corrida aos quilowatts pico, que eu de pico só me lembro, da ilha.

E o DJ que existe dentro de mim vai tocando, Massive Attack, Portishead, The Cure, The Smiths, Talking Heads e reparo que já vou a 176 kmh, num sonho que me diverte e preocupa.

Eles não sabem quem eu sou, sabem o que eu entrego. E está tudo bem com isso. Nós vamos continuar, agora em carro de administrador. À grande. Para baralhar.

Figos secos e aguardente

Entre a nova madrugada e a velha discussão,

o meu corpo já nem cede,

habitou-se aos aromas cálidos e desenxabidos sem perfume,

já não há primavera nem abril,

nem descanso,

nem poesia,

e ninguém é de esquerda ou todos são de esquerda,

desconvictos,

desconhecedores do engenho e da revolução.

 

Sobram as os figos secos, um copo de aguardente e o afago morno do vento na planície.  

Cara de Espelho / Bia Ferreira

A empatia e os métodos podem ser ignorância ou agressão.

Consigo ser empático com causas e abominar os métodos usados nas revindicações, nos gritos evangelizados de revolta que gera revolta. Isso já não me seduz, prefiro a ironia e a força da poesia, como meio para expressar a minha atenção aos problemas sociais e de organização pessoal em prol do outro.

Um dia destes, assisti a um concerto/comício/evangelização de uma mensagem que posso concordar e concordo, mas que discordo em absoluto e me altera a paz de espírito pela forma como foi passada, o incentivo à revolta, agressividade, marcação de comício organizado e de apelo à evangelização cega e não pensante, já não me faz falta. (Bia Ferreira).

No mesmo dia ou no seguinte, assisti à mesma luta, ao mesmo apelo, mas de uma forme doce, subtil, inteligente, melodioso, dançável e genial. Armas diferentes, mas a mesma luta pela igualdade, honestidade, direitos humanos e humanidade. (Cara de Espelho).

 

Faz-me muito melhor a segunda. A palavra é uma arma!

Julho e Setembro

Honro a honra que herdei,

a força que debito no esforço que pratico,

a vontade muda com o tempo,

o tempo muda com a vontade,

a renovação proeminente alvoraça-me a alma,

as músicas mudam,

os poetas alteram,

a revolução agora é mais morena e serena,

já não faz sentido, sangue,

permanece a palavra como arma,

o exemplo como mar,

a solução como calma,

mais surdo sempre,

mais atento do que nunca.

 

 

Trilhos

Um trilho em mim,

é a recompensa da livre escolha da distância,

da companhia mesmo que de solidão se trate,

da direcção cruzada sequer de nada,

porventura de mim mesmo.

 

Um trilho são as minhas veias reconhecidas nos braços abertos ao caminho.

O recanto

Bradem as árvores na mansidão da terra,

os corvos sombreiam as pedras,

o ar quente trespassa o peito,

costas adentro o silêncio ruge austero,

os órgãos arrumam-se no corpo,

ganem até,

ganas dá-me ser estreito e apertado o caminho,

as silvas criam amoras,

os figos acabam nos torrões secos de setembro,

a água corre fina na fonte que teima em não secar,

o corpo foge do corpo,

o recanto fresco espera o anoitecer.

Sismo

Senti dois sismos,

um na sexta-feira,

outro no sábado,

no domingo e pela escala de Richter não senti nenhum,

estava cansado,

descansava,

mas esta tarde voltei a sentir,

tremi por dentro,

abalei-me do peito,

mas não me importo,

desde que a emoção segure o abalo.