Despertenço-me.
Debruçando o peito nas costas das minhas mãos sobre os joelhos dobrados, fixei os meus olhos nos verdes que se me apresentam bucólicos, brotado de entre as pedras frescas da fenda de uma rocha.
Isento-me. Ausento-me. Despertenço-me.
Construo ágeis pensamentos na calmaria que me conquista. Sossego-me de pareceres. As aguias em voo de abutre são rapinas e predadoras, descrevendo sem engano o meu medo, a minha sorte e o meu encantamento. Estranha analogia que se me apossa. Preciso de a entender.
- Voo, aberto, frontal e belo. Sedução.
- Rapina associada aos meus medos quase vernáculos.
- Predadora esta minha necessidade de consumação de mim mesmo.
Vejo num voo, o despir das minhas sensações, dos meus desapegos, das minhas indiferenças, dos meus alheamentos, da força com que faço a minha multidão e o meu silêncio. Vejo na serra que rasga o caminho para o mar, esta lua de hoje, repousada, desfadigada e emudecida. Viva de uma beleza de brilho.
Continuo imóvel debruçando o peito nas costas das minhas mãos sobre os joelhos dobrados sem querer sequer respirar.
Não pretendo hipotecar o que penso, ou danificar o que sinto.
- Esta imobilidade preserva-me o momento.
- Esta inactividade é activa.
- Esta inércia é polvorosa.
- Esta ociosidade é labor.
Este eu, sou eu também.
Ergo agora e somente os olhos, porque a lua balançou e voltou a conchegar-se no alto da montanha. Uma nuvem sombreou-a por instantes. Eu, inanimado ressuscito e, preparo-me para respirar.
Pego na despertença que tinha pousado a meu lado, isento-me, e preparo-me para me ausentar.
Voo.