Quero mesmo como no verbo querer
Durante horas hesito. Oscilo na dúvida constante da decisão. Caminho entre as arvores que toda a vida conheci. Grandes, vaidosas, imponentes. É madrugada. Acordada apenas esta a natureza e eu. Faz um frio que me aconchega. Conforta-me cada passada que dou naquela estrada de gravilha que corre para o Tejo. Oiço os ramos estalarem no céu. Mexem-se sossegadas as árvores, os arbustos sorriem. Que estranho pensei! Mais lá para a frente o nevoeiro. Sinto vontade de correr e de me embrulhar naquele manto nebuloso. Continuo a caminhar sem alterar o ritmo. Passam na estrada de vez em quando luzes na direcção oposta ao rio. No meio do milho plantado e crescido aceno a um espantalho que me ignora. Altiva, esta imóvel uma casa branca e rígida. Habita com as árvores em harmonia. Tem um telhado com poucas telhas que abriga os pássaros e as alfaias agrícolas. As ideias passeiam comigo e bailam em decisões contrárias á minha loucura. Espero o soar dos primeiros raios, antes que o nevoeiro se vá. Há pescadores que roubam peixe ao rio uma vida. Tenho que avisar os peixes penso em desvario! Enviar um sinal, qualquer coisa. Embebedar os meus olhos para não ver. Passar de margem. Ser marginal. O nevoeiro está agora mais cinzento, mais denso. As sombras ultrapassam rapidamente os meus passos. Passo sem ti o resto da minha vida, como o passado que não tive. Quero pegar-te na mão e saber dançar. Quero ter o desejo de te desejar. Não quero que o nevoeiro parta e o dia raie. Quero mesmo, como no verbo querer.