Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Cardilium

Cardilium

Incas

Justiniano era o Incas, um engraxador que não falava, só sorria. Demorava horas a fumar um cigarro, que se lhe apagava no canto da boca e por ali ficava, húmido e escuro. O Incas era amigo dos que não tinham amigos, dos do gueto. Para a idade que tinha era muito idealista e visionário. Acompanhava os foragidos da lei como o Jeremias e a Etelvina, criações humanizadas pelo Sérgio Godinho. Não falava, mas do fundo do seu olhar olharento, balbuciava palavras que entendíamos conforme as queríamos entender. Ele não se importava. A sua filha fizera um filho num interail, como bónus do conhecimento europeu. A sua mulher vendia verduras no mercado diário e depositava as moedas no avental, e as notas no peito dentro do soutien. O Incas ajudava-a, sempre de sorriso misturado com um cigarro, sem palavras, mas vertendo no olhar um sorriso. Bebia mais de mil copos pequenos de vinho ao dia. Era o seu momento repetido, tão natural como a forma como respirava. Nunca o vi comer. Nunca. A forma como caminhava lembrava-me a cadência do relógio da torre, quando avançava a perna esquerda, inclinava a cabeça para a direita, e simetricamente o contrário. De quando em vez fugia deste mundo. Fixava os olhos num imaginado (para mim) ponto, em que se deliciava sorrindo e dizia qualquer coisa imperceptível, era bom de se ouvir pela revelação feliz do seu rosto, era como se tocasse os anjos com um beijo.

 

O Incas era o engraxador do Oásis, amigo do Burro Velho que deus tem.