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Cardilium

Cardilium

Menos terra que falta à fome

A sazonalidade repete-se a cada estação. Jogam-se as sementes na terra remexida, como se remexe o coração com a paixão. Colhe-se o elixir, dádiva da estação, pronuncio abundante e sôfrego, recebimento da terra. É a admissão do milagre que se transforma nas mãos rudes do amanho apaixonado do sustento dos filhos feudais e latifundiários.

 

Nas sombras, dormem crianças filhas da terra. Uma cadela com ar terno olha-as, e de cada vez que um suspiro mais forte se respira, ou um dedo treme, as orelhas endireitadas e atentas escutam a vida pelo amor de somente cuidar. Os cantos do trabalho ouvem-se cada vez mais distantes num murmúrio de força colectiva, quando mais de longe se ouvem, menos terra falta por julgar, menos terra que falta à fome.

 

Faltam três quartos de sol à esteira. A água tem a hora da nascente presente. Numa enfusa de barro moldado bebe-se fresca pela cortiça de uma mão concha. Mais longe, despenteados os sobreiros testemunham, o sono, a escravatura, o sol cego e vermelho, a terra aberta de fendas, a revolta rangida pelos dentes cerrados, a música a esvair-se com a solidão e a raiva a nascer-se nos dentes. As carabinas a qualquer momento podem uivar de pólvora, assim nasça ali um qualquer letrado, exilado, regressado.

Não há machado que corte a raiz  ao sentir e a escolha ao pensamento.