Se eu mesmo tivesse nascido eu
“Louca dor insuportável que me altera a expressão, que me entorta os olhos e denuncia a minha face afogueada. Uma droga qualquer aliviar-me-ia deste sufoco quase irrespirável. Suporto-me bem, aguento normalmente o meu corpo, mas cortava a minha cabeça …. E assim continuei disparando palavras fortes e imperceptíveis ”
O meu amigo de sempre olhava-me fixamente. Eu, não conseguia parar, enquanto não detectasse nele, algum tipo de sentimento reactivo a mim próprio. Ao invés, sabiamente, ele não me ligou nenhuma e começou-me a falar de um qualquer e endiabrado romance acerca dele próprio, com poucos, mas maquiavélicos intervenientes. Como gosto de estórias, ouvi-o com atenção. Construi e destruí várias vezes os meus conceitos opinativos acerca da sua estória, que, pelo avançar dos meses se transformou em história. Numa base de criação disruptiva, imaginei-me em cada um dos seus personagens, que já eram mais externos do que internos, e, apenas consegui não alcançar nada, a não ser a sabedoria do silêncio, e a isenção respeitosa de não saber o que é melhor para mim também.
Tinha ali então, em pedaços de construção extra pessoal, as minhas angústias saradas, os meus desejos bifurcados em rotundas e cruzamentos a perder de vista. As minhas palavras eram agora mais calmas, sentado do lado de cá de mim mesmo, onde fica a floresta à direita e a lagoa com cheiro a pinhal mesmo à minha frente, já não me enfrentava, apenas convivia enleado em paz e cheiros. Os cheiros alteram-se quando eu me altero. A minha cor altera-se comigo. As minhas mãos sentem e tremem comigo. Os meus pés feitos de passadas perdem-se no caminho. Eu fico lascivo ou casto, mediante as minhas cores de paixão, ou a minha rebeldia de solidão. Esta mescla desmensurada, alivia-me e pesa-me, e, isto tudo daria muito menos trabalho, se eu mesmo tivesse nascido eu.