Se mais tarde voltares acorda-me. Posso estar adormecido por opção ou num fingimento de sono para não te sentir entrar. De qualquer forma, quero e não quero sentir-te. Quero e não quero saber. Se não voltares acorda-me na mesma para que esta dor passe, para que se exclua de mim esta tristeza de não te querer, de não me quereres, de não aceitar este desapaixonar que tanto queria, de aceitar este insignificante querer de não querer.
A lua sobrevoou cheia, a varanda onde eu a espero. Circunspecta, radiante de uma luz sem parecença, foi andando para o outro lado do mundo enquanto o sono me atordoava. Eu, fico sempre num sonho acordado imaginando salmos do profeta que não creio. Mas é ali que tento o sentido do mundo. A cada espera. Em cada passagem. No meu eirado.
Esta época estremece-me o silêncio, os canteiros de hortências fazem-me reconhecer o local, não há mais mar em mim que a descoberta desta praia sem gente, deste mar sem praia, desta vida singular de começo de verão.
As feras que o ópio me deixou demoram mais de uma vida a amansarem. Preciso saber como crescerem. De que país vieram. Se foi na madrugada acesa ou em fresca manhã revoltosa que se inquietaram em mim. Feras vorazes e meigas. Prazer redobrado e impostor. Pessoas desfiguradas. Amigos de partida. E eu, esfarrapado trituro os dias todos iguais. Todos com o mesmo caminho. Com igual partida e regresso. Com as noites todas equivalentes disfarçadas de diferença. Depois, o ópio acaba e tudo recomeça com a mesma cega vontade e termina com a igual escolha de dormência adiada.
As feras que o ópio me deixou, demoram mais de uma vida a amansarem.
Um dia, quando a minha memória já não for memória, nada do que juntei terá algum valor ou relativa importância, assim, dar-me, é como depositar a minha memória na equidistância de outro alguém.
Se a memória se prepara para me trair, fidelizo-a antes do episódio espelhado em minha mãe. Ela não tem memória, e, não entendo que seja ou não seja mais feliz por isso.