A serra que subo tem agora a dureza das pedras sorridentes do sol que as temperam. Há semanas tinham as lágrimas da chuva que as lavava. Quem inventou que as pedras não sentem?
As pedras são mais felizes acompanhadas dos dias maiores e dos cheiros bravios e rudes da encosta agora em flor.
Na estação que há-de vir, serão as pedras a retribuir todo o amor às flores queimadas pela geada.
As pedras e as flores cuidam da serra que me possui, da serra que possuo.
... sabes, aqueles papéis escrevinhados de há anos? já mudaram de cor. Agora são como borboletas renascidas em bocados de pensamentos e poesias, mas ainda são papéis escrevinhados e têm o mesmo lugar, a bolsa da velha guitarra das fogueiras acesas de nós ...
Interrompe-se-me o raciocínio por uma virgula mal colocada, como se lei mudasse o sentido do crime. Agora já não sei onde ia e tenho que recomeçar tudo de novo. Nova oportunidade para ser satisfeito no meu resguardo. Velho momento este reconhecido pelas células da memoria. Mais café. O dia clareia nos ponteiros do relógio que não se calam. Sobrevive o velho poema rouco do Dylan em companhia de fundo. Sobrevivem os sonhos desacreditados quando acordado, reais quando adormecido. O fio condutor já me liga o pensamento. Café bom.
Passam-me mais mil palavras de um livro por editar escrito em paredes de casas, muros em ruínas e na pele de corpos reinventados como as marés.
Passam-me tão poucas loucuras em contraponto com o risco de as já ter executado como um comando desobedecido do meu corpo.
Fogem-me os acertos de juízo tão recomendados no jardim da minha infância, foge-me a morte no bairro, devolve-se-me a vida nas montanhas desabitadas.
No final de tarde que há-de ser final de tarde, espero o café e o silêncio, aguardo a imortalidade do corpo que jamais será velho enquanto sentir este arrepio de esperança na demora.
Passam-me tantas e tão poucas linhas no horizonte que me guardem os sonhos.