Cabo delgado
Não me sobra entendimento que aceite o cheiro a sangue na terra quente de cabo delgado.
Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]
Não me sobra entendimento que aceite o cheiro a sangue na terra quente de cabo delgado.
Tenho com nitidez de alma ouvido o meu coração no silêncio da altitude, no cansaço do caminho.
Tenho avistado o céu e a terra de onde normalmente avistava o céu da terra, e sinto saudades.
Amanhã voltarei a subir para sentir, gosto da minha companhia, amiudadamente.
As mulheres encantavam-se com encanto dos seus filhos que lhes ofereciam a dádiva da liberdade nas tardes de jardim. Era o seu momento. Valia pelo dia. Valia pela vida.
Ainda há quem exclame que no tempo do estado novo é que as coisas iam direito. Ainda há quem aceite que os filhos que eram a vida, navegassem numa guerra que era a sorte de alguns e a morte de tantos.
Ainda há quem ... ainda há.
Mais vivos do que era suposto existir.
A destruição do tempo na decomposição das almas, os amigos que se perdem, a miséria que alastra, a parca esperança emagrecida, o mundo atómico sobreaquecido, os lares sem lar que se amontoam silenciosos, a pressa com que as horas fogem à vida.
A destruição do tempo incapaz de se construir em alicerces de surdez.
O tempo que não se escuta não se conhece, destrói-se.
Sou como uma flor triste aprisionada num vaso à janela a olhar as outras flores felizes de um canteiro do jardim.
Sofrimento pandémico.
Os solavancos da estrada que me levou até à hipérbole com que descrevo o bater deste peito ressuscitado, é a semelhança entre o caminho e a ansiedade, a diferença entre ficar sem sentir, ou arriscar partir e chegar. Descanso-me agora em frondosa e fresca paz, murmurada pelo ribeiro que me vem buscar pela mão, e me convida a subir à calma companhia de mim mesmo, na paisagem que agora me é pertença. Cheira a mato rubro e a estação viva. Ando devagar reconhecendo-me a este sonho que se vai realizando. A serra quase ali, a terra deixada para trás. Com outros olhos agora me vejo. Com outros olhos agora admiro a pequenez da grandiosidade com que me vi enganadoramente. Agora sou da minha real altura, do meu engano tamanho.
Não há bons fotógrafos. Há quem domine a tecnologia de tirar fotos. Depois há os bons fotógrafos, os que captam sensibilidades momentâneas de alma a condizer. São as fotos enfeitadas de ser.
Já que é primavera as papoilas que dancem,
há tempo,
os dias são maiores e o perfume é música no ar.
Que se dance à sombra e ao sol,
à alegria,
às livres e soltas bênçãos com que as cores embrulham os campos,
que se abrace o meloso e moreno ar de fim de tarde.
vê como o mar se debruça na praia para cheirar o pinhal,
vê,
vê como se entristeceu,
vê como o fogo devorou,
desnudou,
e angustiou o mar.
chegou sem um ai,
despretensiosa,
discreta e ternurenta,
sem alarido como a gente devia de ser,
primaveril e gentil,
a primavera.