Como te digo eu hoje no presente que já existi no passado?
E que no passado não tinha nem as mesmas lágrimas nem os mesmos sorrisos, e os abraços eram dados em fuga constante de mim e do mundo. Que no passado houve dias que não clarearam, e o meu único pensamento se resumia a uma constante dilaceração diária.
Como vais crer tu que eu já fui eu? Que hoje eu sou um eu acrescentado, onde todos os dias existe um eu que sou eu apenas e que tem saudade e agonia de mim mesmo no passado.
Creio na evolução da alma, na necessidade do reencontro pessoal, na relação individual e na estrutura do pensamento.
Creio na amizade por mim. Sou de pouca gente à minha volta, de pouca gente mesmo, em mais de dois terços da minha vida não existe ninguém, aqui e ali circularam umas pessoas que vou alterando com a vida.
Há livros, músicas, tentativas de poesia e construção de canções que me constroem mais do que gente.
Como te vou eu dizer hoje, que já fui passado?
Um passado duro e leve escolhido e eleito pela sorte, coisa que não acredito como destino. E de entre todas as maldições que a sociedade elabora em conceitos de modernidade e correntes políticas, sou intocável passado e futuro, que outra merda não existe na vida da gente, se não a terra que nos aguarda.
Como te digo eu hoje no presente que já existi no passado?
Falaste-me de nexo de casualidade, de coincidências, de destino, de deus, de astros, de energia, de quebranto, de autores consagrados, correntes de opinião, meditação, reiki, psicodrama, filósofos, médium, canções, etc...
Falaste-me da tua existência extrínseca, quando o vazio é intrínseco.
Falaste-me das lágrimas antes do choro. Do fim antes do início. Da desilusão antes da ilusão. Da aceitação como a impossibilidade da solução.
Há palavras que não são de dar, são construções partilhadas de silêncios, abraços, pensamento convergente e amor.
Há palavras quê são os passos que nos encontrarão. Depois sim. Depois a casualidade e a coincidência serão o destino.
Fica fria a candura do desejo, a ingénua vontade transforma-se com a noite em segredos que pesam mais do que o meu peso pesa na terra.
As estrelas sublinham a pontos de luz o sufoco que tenho encravado na garganta, ligação directa a este cansaço que não me permite sentir leve com cheiro a flores.
Vou morrer assim, preso, à espera do verão, à espera das marés que trazem as gaivotas à praia, à espera da inspiração enquanto sinal e redenção.
Morro assim, preso, à espera de vida. Mesmo que dure mais mil anos, aprisionado sou: - extinto -
Revoltam-se os pulsos doridos de cerrados se erguerem.
As esplanadas continuam cheias de revoltados em sossego da árdua luta de ideias, as praias também, os restaurantes por solidariedade também, até os mais caros.
Ficaram os campos desertos e o povo a desaparecer com o emprego. Contenta-se a gente com um “quanto baste” de subsídios.
Isto não é a ingenuidade do destino, é a arquitetura dos que distribuem a riqueza produzida, a distraírem-nos.
E nós distraímo-nos ... “tweetando” os pôr-do-sol.