As ruas, as avenidas, as flores das ruas, as arvores das avenidas, as cores que descem as ruas, as cores que sobem pelas ruas, os cheiros das avenidas, o rio espelhado ao fundo, ora pelo sol, ora pela lua.
Não fosse cada sentir meu, e as ruas, as avenidas e o rio, parecer-me-iam sempre iguais.
A viagem foi alucinante pela pressa de chegar e ver os teus olhos profundamente saudosos e a tua boca saborosamente quente logo por cima do teu peito incandescente. A viagem foi dura e longa, mesmo roubando ao tempo a distância. A distância foi severa e extensa mesmo que seja quase nada, porque quase nada não existe naquilo que nos separa. Quase que te vejo da minha janela, e mesmo não te vendo, sei que passaste, ou passarás, sei que mesmo que entretido nos meus livros, ou a desejar na minha música, sobra sempre uma alucinada viagem apressada de ver os teus olhos profundamente envergonhados com os meus.
Os nossos olhos envergonham-se mais do que nós mesmos, como se fossemos homem e mulher antes da estupida evolução da posse.
A viagem é alucinante, depois, o amor entontece as almas.
Uma feira onde se apregoa e compra. Onde se vende e troca. Onde a música elege o cantor. Onde a fome se detém numa barraca que arde de frigideiras e bifanas. Onde há barracas de potes de barro. Onde o vinho se bebe com os homens que se sentam a olhar as ancas das mulheres que passam nos seus decotes.
Já tive um amigo da feira.
Era uma mistura de feirante com a eloquência retórica que lhe servia de pertença onde pensar se exigia pouco. Juntando-se-lhe umas certezas o apregoado estava vendido. Assim se governava.
Já tive amigos de bairro e outros que o destino não me fez de fortuna. Não tive destino e a sorte sobrou nos amigos que me restaram.
São dias encurralados nas semanas, semanas presas aos meses, anos acumulados de tempo diluído sem retorno.
É vida emprestada à saudade, lágrimas entornadas à esperança, erros acertados por tentativa, vento por companhia e noites, luar alienado das horas dos dias encurralados nas semanas.
O sangue pisado é: - recordação do caminho e mar -
Cantar no acerto dos acordes, dos tempos menores crescendo para sétima, a dominante das palavras que escolhem mulher na poesia, do carinho que não tem a solidão,
a cantiga cresce, sonha, constrói um corpo, esculpe os ombros, as pernas, a boca, a alegria, o sorriso, e a canção está pronta para que se juntem os corpos e se dance no acerto dos passos.
O par que dança, a pele que troca de cheiro por um beijo, a canção.