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Cardilium

Cardilium

Melancolia

A melancolia tem sempre tempo,
quando o sol escurece do dia e a noite,
se instala na sala do velho sofá roto,
com a noite nova,
e a luz da lua incandescente.

A melancolia tem sempre paz,
como se os lírios e o êxtase, tivessem tomado morfina.

Amanhã,
depois,
é possível que haja silêncio (s) e estrelas.

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Canção

Dou-te esta canção como um beijo,
construído de distância,
onde sobra mar,
falta noite,
e o sabor dos teus lábios imaginados são a sal.

 

depois do amor os homens

Alguns homens depois do amor ficam desconfiados de deus,

dos rios,

dos bandos de pássaros migrantes,

das músicas,

das auroras suaves,

de outrora quimeras,

da desdita do destino,

das folhas outonais adormecidas nos passeios,

da gente que se passeia aos domingos,

da vizinha que deixa perfumada as escadas,

das bocas que dizem bom-dia,

dos olhos que sorriem boa-noite,

das flores que secam com o sol,

do mar que cai no horizonte,

do sal que salga as mãos,

dos pés que se ensanguentam de caminho,

da culpa remorsa do pecado instituído.

 

Alguns homens depois do amor ficam desconfiados,

Outros ficam antes,

Que o amor não é um desígnio secreto,

Nem é invenção dos trovadores,

Sem exclusão,

Que não me aparto,

Dos homens como eu.

Estória da cidade tentada

Não era uma cidade fácil para quem vinha de uma cidade de província onde as caras eram todas conhecidas e as vidas infinitamente sabidas. Ali ninguém sabia mais do que nada. As pessoas não tinham um nome por que se lhes chamasse, saíam cedo chegavam tarde com um ar abatido de quem não tinham sido visitados pela felicidade. Não foi uma cidade clara para mim nos meus primeiros meses.

Foram dias a regar com vinho a minha saudade e lágrimas, a esquecer-me da minha própria existência. As pessoas falavam pouco e quando falavam não as entendia, diziam nada que entendesse, pelo olhar lá íamos dizendo quase nada e, dizíamos isso mesmo, um quase nada de nada. Todos os dias me torturaram até ao último.

Voltei. Soube-me novamente a terra o cheiro desta cidade pequena de onde eu partira com nada, e voltava com a saudade acumulada, com o valor clandestino de ser apátrida em terra minha, de ter regressado com o mar solto de uma noite e uma escolha:

 - Antes a morte que uma vida morta – e assim cheguei. Vivo.  

 

As escolhas simples são as inalcançáveis para a inteligência

 

Não faz sentido que à perfeição da criação de um ser humano lhe seja retirado o domínio da sua própria vida.

Não faz sentido que à humanidade, a organização dela própria erga muros e entregue a liberdade às próprias leis que a defendem.

Não faz sentido falar tantas horas em tantas conferencias, simpósios, conselhos de estado, retóricos e sofistas a debaterem o que há nascença são direitos: - raça, credo, orientações, cultura e escolhas pessoais que não interferem nas escolhas de outros. Não me faz sentido.

 As escolhas simples são as inalcançáveis para a inteligência, apenas porque um ser, quer dominar outro ser.

É pouco mais do que isto!... Não me faz sentido!...

Do que é feito o coração?

Do que é feito o coração?

É feito de tudo: de matéria onde o sangue se ordena com a vida, se coordena com a vontade, se imiscui com o trabalho conjunto e diário de todas as outras forças que nos mantêm  apresentáveis, com os outros órgãos que nos constituem.

Não é isso. Isso eu sei.

Do que é feito o coração das histórias que me contas, quando dizes que o coração: - geme, chora, alegra, aperta, gela, pára, acelera, angústia, sufoca, teme, arrisca, festeja, grita e ri -

Do que é feito esse coração?

Ah esse! Esse é feito de: vísceras, sonho, desígnio, passado, saudade, recordação, amor, desamor, paixão, ideais, esperança, querer, caminho, convicção, coerência, presente, mãos, mar, vento, e especialmente de emoção que é o sangue do amor e a destreza do coração.

Quem não se emociona não sonha, não nada.

Tudo mais é resto

Consigo encontrar semelhanças entre mim próprio e um outro eu de mim que tenha existido, que exista ou venha a existir.

Consigo tudo, assim me isole da putrefacta informação e me recolha em tudo o que tenho, e, tudo o que tenho é tudo o que sou.

Tudo mais é resto.

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