Hoje, já quase que foi domingo. Os domingos são normalmente dias sem calendário, quase assexuados sem horas ou alma.
Hoje não.
Hoje foi um domingo daqueles em que não podia deixar de ser domingo. Foi um domingo fausto e de Fausto por um rio acima com o mar ali mesmo à mão, com cheiro eriçado a pinhal.
Hoje foi domingo de gente boa, domingo de minha gente, domingo de meu amor, domingo de abraços, sardinhas e doces.
Podia não ter mais domingos no mundo, mas não podia de deixar de ter no peito espetado este domingo do meu povo.
Hoje é domingo.
Hoje, já quase que foi domingo, mas ainda será domingo por muito tempo.
Quando penso nas paisagens que deixei, sinto a forma com que me debrucei nelas. É isso que faz a permuta da saudade na vontade de me saciar em todas as incendiárias tardes, manhãs e noites. Tudo o que foi orgânico foi para além da imagem. A dorida alma, o corajoso querer. Em todas as ruas, o forasteiro, agudo e sentido frenesim de peito e estomago, as rusgas da consciência, a infância, os dias em que a morte sobeja, as estações sempre iguais, sem vento, sem chuva, sem sol, sem vida. A agonia do bairro sem cor. Da encosta deslavada de gente que se desloca em direcção a sentido nenhum. As mulheres ternas e desgostosas, desamadas. Os homens inconsequentes nos dias sem dias. Ninguém abandona a paisagem. O céu está encoberto pelas nuvens, todos adormecem desse ópio incandescente até que o mundo seja de claridade aos dias.
Mais tarde, os dias chegam aos poucos. Primeiro, atordoados. Depois, amantizados com o sonho, aos bocados. Um sonho de cada vez. De sonho em sonho. De quimera em quimera até hoje, em raios de pedaços de luz. Em imagens de paisagens.
Ferem-me todos os sentidos. Em boa verdade quase que me aniquilam alguns dos mesmos, cada vez que vos oiço homens quase responsáveis com cargos políticos e públicos a defenderem os vossos deuses.
Um deus branco. Outro um deus negro. Outro um deus assassino. Outro um deus apaziguador.
Uns ainda se debatem no direito da igualdade de género, às orientações sexuais, aos espoliados, aos pobres, aos ricos, às minorias das minorias, às maiorias, tudo em troca de uns míseros votos cada vez menos representativos em número dos que se vos confiam.
Como se os direitos às escolhas e orientações viesse em manual simplificado onde se pusesse uma cruz de escolha à nascença, e não fosse um direito assistido no parto de entrada na vida em processo contínuo e evolutivo.
Vós ridícula gente da escolha dos deuses inexistentes a querer fazer-nos crer, que os apregoados direitos não são a nossa pele, o nosso sangue, a nossa líbido, e que são uma dádiva vossa escrita nas manhãs do hemiciclo e, quiçá, que vos devemos isso.
Nesta historia de semi-deuses, mais deus de verdade seria o diabo, caso algum dos dois existisse.
… brincámos aos soluços com as palavras, não me agarras, não me encontras, não me apanhas, e vida fora os soluços e as palavras foram sendo escorreitas e parafraseadas memórias perpetuadas no tempo.
Não me agarras, não me encontras, não me apanhas. Até hoje ...
canto à ausência entre um bando de pássaros que sobrevoa a sombra onde me sento, beijo efêmero, boca silenciada de eternidade, sol tardio, noite esperada.