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Cardilium

Cardilium

levadas a sério são a vida


Na hipótese remota de um dia me adequar ao sítio onde tenho que me habitar, solicito força divina na esperança de me ocupar em jeito de distracção.



 Não sou por natureza agradador ou pedinchão. Aceito com decisão o que se me opõe e disso faço obra. Não me adianta adiar ou querer transformar o que não é transformável.



A vida oferece-se ou impõe-se?



A vida dá ou retira?



A vida escolhe ou dá a escolher?



A vida é desígnio ou solicitude?



A vida não é mais do que um embriagante momento de instantes não esperados, normalmente transformados em desesperadas vontades não cumpridas.



 Não adianta não cumprir o caminho. Não há outra forma de nos bastarmos ou de nos conhecermos.



 A vida não nos pertence, a vida é um carnaval constante de máscaras e demências e crê-se que: 



- levadas a sério são a vida -



 A vida é potenciada por dissimulações de sorrisos e lágrimas de ocasião.

de 24 para 25

Os poetas que sobraram

Os habitantes desta cidade murmuram sonhos. Murmuram anseios para que os filhos regressem vivos dessa loucura fascista, de se achar que se colonizam povos, para lhes devolver o que quer que seja.

Os poetas desta cidade arriscaram a cantar versos sobre a liberdade, fraternidade e igualdade.

Os analfabetos desta cidade, um dia, aprenderam a ler, chamaram-lhe aulas para adultos, nocturnas.

As prisões desta cidade abriram-se num sem sentido de entendimento, acerca da estranheza que foi a liberdade, ou da desigualdade de todos terem o pão da igualdade.

As portas desta cidade abriram-se aos pares e o refrão da canção cantou cuidadosamente:
- “a liberdade está a passar por aqui”;
- “depois do adeus”;
- “adeus tristeza até depois”;
- “agora o povo unido jamais será vencido”.

Os anos foram relativizando as conquistas de Abril a meio caminho de Maio. Nesta semana de intervalo, entre uma conquista e o direito dos trabalhadores se associarem, reunirem e evocarem a liberdade, já nada vale, tudo apodrece nas mãos de uma “coisa” a que chamam “mercados financeiros” e dos seus lacaios ordeiros e vendidos. Já nada ou pouco importa, já não se sabe, lembra, dignifica, ou preserva a luta de tantos e tantos homens e mulheres.

Tornou-se isto num idealismo faccioso e falacioso, interessa passar isso, e a “coisa” tem passado. A liberdade precisa de voltar a “passar por aqui”, por esta surda e cega ignorância, por esta desfaçatez conjugada de embrutecimento de um povo.

Abril esvaziou-se e Maio antigo esmoreceu subjugado. Ainda resistem uns apontados e “fora de moda”, que recordam Abril e a sua poesia.

Viva o 25 Abril.
Viva o 1º de Maio.
Não é uma festa “dos comunistas”, como convém dizer, para catalogar, excluir ou julgar. É uma dádiva de respeito a que me vergo e relembro, vivente e pensante, emocionalmente presente como me quero na minha existência sensorial.

Do sítio de onde eu vim,
Trouxeram-me ventos e mares,
De diferenças me igualo,
Beijo-te Liberdade,
Abraço poder reunir-me sem me esperar a prisão,
Alegra-me poder ir ao teatro e haver livros para ler,
Música para ouvir e referências para me inspirar,

Não podendo mudar, posso transmitir, e assim o transmiti à minha descendência a importância vital de que tudo existe, porque tudo mudou, e acrescentei:

- não te esqueças que por nós, por mim, por ti, estiveram presos por amar, muitos dos nossos poetas que nos devolveram a liberdade ….... e, nós somos parte do respeito que devemos a esses poetas que sobraram.

nós somos parte dos poetas que sobraram também.
nós somos parte dos poetas que sobraram.
nós somos parte dos poetas que sobraram também..

a tragédia é um épico soluçar do coração


A minha tragédia é pensar que não temos nada a ver com esta solidão de companhia,

 

um abraço não é mais e não quer ser mais: - do que um abraço -

 

as nossas saudades habituam-se a habitar a saudade do próximo respirar conjunto, da próxima madrugada.

 

afinal, a tragédia é um épico soluçar do coração.

a dádiva agregada do desejo de percorrer a vida de mãos dadas

Quando as palavras só atrapalham,

o olhar é suficiente,

o mundo parece encantadamente parado,

as noites são sem termo e em conjunta madrugada,

a distância não é separação,

a música é trauteada a uma só boca,

a vontade a um só corpo,

o sorriso a uma só gargalhada,

e não há outro luar que não escreva o teu nome,

o silêncio então é: - a dádiva agregada do desejo de percorrer a vida de mãos dadas -

terrificada e feliz cidade iluminada pelos teus olhos

Uso o coração na vã tentativa do controlo sanguíneo que se me escapa à respiração,

sinto os passos desenquadrados e entorpecidos de equilíbrio,

o meu estômago reviravolta-se com o perfume de abril,  

as minhas mãos querem-se separar dos braços,

o meu peito ruge saudade desalmadamente,

o meu corpo descontrolado tenta encontrar o calor do teu abraço,

ou apenas um vocábulo legado pela tua voz,

que seja somente um: - “olá, tudo bem”.  

 

Recupero a função biológica da normalidade funcional no calor da tua presença,

como um mar,

como um enchimento de maré,

como uma planície abraçada de giestas e poemas,

em mim,

habita uma terrificada e feliz cidade iluminada pelos teus olhos.

Tu, ensinas-me a sonhar em acreditar.

Ensinas-me a sonhar nos pedaços de dia já noite em que me falas,

Ensinas-me, que os sonhos também se ensinam como a matemática,

Ensinas-me as estórias da nossa história, a paz revoltosa das vísceras e o sonho logo ali, tão perto, tão longe, tão possível.

Ensinas-me a possibilidade do sonho, o conflito do entendimento, a simplicidade do que sempre me pareceu uma impossibilidade.

 

Da tua boca soltam-se sons feitos de música na graça dos teus sentidos,

Embalas-me e sossegas-me,

Agitas-me e desassossegas-me também,

A paz é o adormecimento na minha alma e o meu sono do espírito,

Esta inquietação faz-me consciente dos lugares cheios de vida que me esperam.

 

Sou filho de deuses, demónios e lamentos,

De deuses secretos e selvagens,

De prantos a caminho da liberdade,

Um eterno navegante de portos e mares.

 

Antes de sonhar existe sempre um lamento.

………………………………………………………………….Tu, ensinas-me a sonhar em acreditar.

Sílaba por sílaba

Sílaba por sílaba falo-te da minha intuição,

e do que nem deus nem sabe acerca de mim,

do meu visceral sentir.

 

Mostro-te a minha razão e sensibilidade,

tudo o que se dilui em mim,

a esperança,

a confidência,

mais longe, o corpo.

 

Tudo te digo em sussurrado murmúrio,

num grito roufenho desesperado,

demonstro-te na constelação das estrelas que caem,

no último raio de sol,

na lua azul de mar moreno,

na madrugada e no amanhecer.

 

sílaba por sílaba soletrada sou por inteiro - intuição -

Frágil homem

Em muitas horas já fui um frágil homem mascarado de destemido, entre as mazelas do meu fígado e o pensamento corpóreo do sentir. Já fui um fraco e invencível homem declamando ao azar e um sortudo alcoólico em carnaval diário em aglomerados de fantasia e devaneio.

Reparti os dias em bocados de miséria de mim, tornei-me num homem pagão, ateu, abstémio, rendido, prendido, a uns laivos de memória sem passado, com promessa de futuro, acrescentando ao espírito, a alma e o sonho.

Em muitas horas já fui. Em todas as horas sou. Aguardo poder abraçar-te e saber do teu cheiro.

Até lá, todas as noites te entregarei toda a minha ternura e esperança.

É em mim que se dá o reencontro das arrecuas

Sou mais quando escrevo, sou menos quando escrevo também.

É sempre um encontro dentro de mim, e em mim me penitencio e culpo, me perdoo e salvo, sem a um deus menor do que eu recorrer, ou maior que seja tenha recorrido.

É em mim que se dá o reencontro das arrecuas. 

 

 

 

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