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Cardilium

Cardilium

o tempo sossega-se apiedado

nas esquinas de todas as casas da aldeia cresce a saudade,
em todos os pátios geme a poesia,
todos os corações se embalam de música e alegria,
e o amor configura-se com amor.

à janela,
na aldeia,
o tempo sossega-se apiedado

Clausura II

Nesta fase de clausura muitos desafios me são colocados, por este ou aquele motivo ou apenas por desinteresse temático não me seduzem, este seduziu-me, partilho-o.

O desafio foi:

Como é possvel sentir saudades de algo que não se viveu?  

Saudades do que não se viveu é algo muito rebuscado dos meandros da mente. No entanto, acredito nessa possibilidade como real. Posso sentir saudades em forma de uma configuração que vou designar por déjà vu, aquela costumeira expressão de que alguma coisa é tão real que tenho a certeza que:

ou já a vivi,

ou já estive nesse local,

ou senti esse cheiro,

ou é tudo tão verdade e fácil que parece que conheço essa outra entidade há uma vida inteira,

ou ainda, uma espécie de negação positiva, em que eu quero sentir saudades de algo que não vivi, porque isso me inspira, me ajuda a ser unidade com aquilo que estou a sentir.

 

Parafraseio um poeta que me ajuda o raciocínio, Gedeão, que reduz e confirma este argumento com um: - “sempre que um homem sonha o mundo pula e avança”, ou seja, tudo o que é real antes foi um sonho, então, tudo o que alcanço sonhei primeiramente.

Assim, é legitimo e sane sentir saudades de algo que não vivi ainda, acreditando que o sonho é o meio passo para o vir a viver.  

Mesmo que não viva em plenitude, vivi em mim, e essa é a maior verdade de todas. Eu próprio.

clausura

nesta fase de clausura muitos desafios me são colocados, por este ou aquele motivo ou apenas por desinteresse temático não me seduzem, este seduziu-me, partilho-o.

O desafio foi:
Como é possível sentir falta de algo que nunca se teve?

a reflexão

Parece-me ser possível.
Posso sentir falta de algo que nunca tive naquilo que é material e aceito-o sem dificuldade numa dimensão menos estruturada do pensamento. Agora se me questionar, e entrar num campo filosófico, posso questionar-me numa primeira fase assim: - se nunca tive como sinto falta? Numa segunda fase posso pensar: - na verdade já senti falta de algo que nunca tive.

Vejamos.

Alturas da minha vida não tive algo que sentia falta, depois acabei por ter e aí confirmei que sentia falta de algo que não tinha e, quando tive, supri a necessidade sentindo-me feliz, ou eventualmente não me sentindo feliz, afinal não precisava daquilo para nada, ou precisava e, confirmava-se então a veracidade de “ser possível sentir falta de algo que nunca se teve” .

A mesma questão numa dimensão emocional (não material) pode colocar-se.
Posso sentir falta de algo que nunca tive sustentado em catalogadas necessidades que sinta, e as mesmas possam ir ao encontro das minhas projecçoes em evidencias, dando-lhes vida de tal forma, que a falta sentida é sentida como real, cruel e feliz etc (um exemplo: Pessoa e Ofélia)


Mais e bons exemplos existem, mas parece-me esta já ser uma boa reflexão, acerca de como é possível sentir falta de algo que nunca se teve.

Num campo mais metafisico existem relações muito contundentes acerca da mente, da matéria e dos sentidos, que numa aprofundada correlação nos levará para um campo espiritual, de fé, crença, religião ou não, onde aí tudo é sentido sem evidencias terrenas e se sente falta do que se tem (sente), mas nunca se viu ou se teve de uma forma orgânica.

Assim afunilando o pensamento, a reflexão e alguns conceitos explicamos, consolidamos e aceitamos que:

- “é possível sentir falta de algo que nunca se teve” -
(cada um terá o seu entendimento livremente, obviamente)

 

https://www.youtube.com/watch?v=GSJdhd0stAg&feature=share&fbclid=IwAR2RO4LhKY-RXoB5RE2WHBBF1ihaTKRctQPrCQ66Gdsp5gZylvbjjfwh4es

desnascido vivo

"... estou em insolvência religiosa desde que a informação que me proporcionaste me fez efeito, tal como um antibiótico cura a infecção, é igual. Descobri também que o pecado é uma invenção e o amor um caminho para a redenção, seja lá isso de redenção o que for. Sabes pai, vou morrer desnascido mas vivo, sabedor que não há maior prisão que a do pensamento. Abraço. ..."

 

reparei sonhei


algumas vezes só porque reparei sonhei,



as palavras são agora: - fogo e insónia -



já só espero acordar,



despertar com os primeiros sinais,



correr pelo vento fora,



ver se és o sonho em que havia reparado.

os arrogantes e bem-falantes

 … a arrogância e a tristeza andam sempre juntas. Os arrogantes bem-falantes conhecedores, sábios, empertigados e cheios deles próprios, aos meus olhos, estão sempre tristes, é uma fórmula em forma distanciada de não serem da raça a que queriam pertencer. Os arrogantes e a tristeza apresentam-se-me sempre lado a lado. Posso abraça-los, é só pedirem, afago até … 😊

vai ficar tudo bem

Pouso um copo vazio de vinho bebido sobre o medo. O medo sufoca-me as palavras como uma guilhotina dilacera o sol em mil pedaços de angústia. Mistura-se um género de névoa com esta condição transcendente, construída por uma tortura que se apresenta como a criação de um medo real e um outro inventado e, é nessa fronteira que me situo e elejo a zona limítrofe de mim mesmo.

Desconstruo o medo em medos. Isso torna-o maior em número e menor em dimensão. É como se os conseguisse numerar e ordenar alfabeticamente e, inevitavelmente começariam e acabariam todos por loucura mas:  "vai ficar tudo bem"  

As ruas ainda têm nomes de rua

 

As ruas ainda têm nomes de rua

sem gente a minha cidade adia a vida

as esquinas gemem num sussurrado murmúrio de carpideira – saudade –

a delonga espera faz os dias sempre iguais

o juízo enlouquece

as divisões estrangulam em casa

as horas ficam sem tempo

o corpo fica sem amor

 

as ruas ainda têm nomes de rua … ainda

Aguardo a correria aos abraços

Abraçados pelo último abraço, espero pela corrida até ao próximo.

Até lá despenteio-me, reinvento-me, leio, escrevo, limpo, cozinho, protejo-me e, após cada tarefa o abraço ainda que longe está mais curto de distância. A saudade essa está próxima e aguda. A estatística dá-me os dados dos infectados, a zona, os internados, os óbitos, etc, etc. O estado decide o meu estado, e eu decido por ordem de grandeza a saudade, a voz, os sorrisos, os abraços, os cheiros das manhãs na rua, o aconchego da noite e da lua, e tudo o que me faz sentir que a minha ilha tem gente que é gente, e não há ilha que não tenha mar à volta.

Aguardo a correria aos abraços.

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