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Cardilium

Cardilium

Dispenso

A mais dolorosa prisão é a consciência.

A segunda maior prisão é a inconsciência de querer justificar a consciência em malabarismos manipuladores.

A terceira maior prisão é:
- não sei porque não sou juíz, nem compactuo com a prepotência do julgamento. A minha imperfeição não me permite.

Logo, nao creio em prisões muito menos enumeradas por ordem de grandeza.

Acredito na consciencialização da consciência como um processo de crescimento.

Tudo o resto é muito pedro chagas freitas.

Dispenso.

Bom ano bla bla bla

Não tarda e as redes sociais ficam cheias de “balanços”. Já cheira.

Já cheira a balanço do género: “este ano foi assim mas para o ano vai ser assado” e, na realidade, não foi bem assim, e não vai ser diferente coisa nenhuma, porque os dias continuam com as mesmas horas, as semanas com os mesmos números de dias, os meses com as mesmas semanas, e o ano com os mesmos meses. A velocidade com que se vive quiçá aumentará, e o adiamento será o mesmíssimo. A doença proliferará, e o tempo esgotar-se-à da mesma estúpida forma, e, diremos o mesmo daqui a um ano: “Este ano foi assim, para o ano será assado”.

O diferente na verdade é uma necessidade, nem que seja apenas dita pela necessidade de se dizer ou purgar uma espécie de culpa pelo mau uso do tempo, e assim parecer-nos-à que se libertará de nós na consciência da palavra dita, mas, na realidade, a diferença far-se-à no retirar de: horas aos dias, dias às semanas, semanas aos meses, meses ao ano, tempo para nós, para fazermos coisa nenhuma e ofertarmo-nos oportunidades, para abraçarmos, passearmo-nos de mãos dadas, discutirmos entendimentos, resolvermos questões emocionais, sentarmo-nos a ver o mundo passar, lembrarmo-nos dos vivos, de quem ainda temos, e exultarmos quem perdermos. Tudo o restante necessário entrará pelas nossas casas adentro, virá por acrescento e pela consequente necessidade de vivermos.

Parece-se fácil, mas é uma obra com anos, por começar, longe de ser iniciada.

Por vários motivos e ordem de razão, dispenso felicitações natalícias, anos novos bons ou boas entradas, se eu os quiser, farei por isso.
Prefiro abraços todos os dias do ano.

Sempre e mesmo.

Apenas

Serei sempre poesia, serei sempre fonte e deleite da ventura que me tornou regressado à humanização da vida.

Já fui subúrbio de mim.
Mudei-me. Agora sou. Apenas.

Degraus

Extracto de palavras por ver o sol um dia IV (2016)

Oiço o ranger dos degraus de velha madeira em cadência. Pelos passos é o Lacerda. Deve querer recordar em mim e comigo as velhas aventuras da cidade. Bate devagar de mão aberta à porta encostada.

- Entra, permito-lhe eu. Senta-te quase lhe ordeno ao mesmo tempo.

Respira fundo ao sentar-se e diz-me:

- Estava adormecido ao fogo que me aquecia enquanto a saudade me torturava a alma e decidi vir revisitar-te. Tenho contigo e por ti uma saudade que nunca deixa de ser saudade. Lembras-te daquela mulher com quem me romantizei perdidamente noites a fio?

- Aquela mulher do sul? Perguntei-lhe.

- Sim essa.

- Lembro sim, tinha uma bela voz, o que lembro das mulheres são sempre as coisas que a maior parte dos homens não recorda, disse-lhe. Recordo sempre, as mãos, a brado, o andar, muito mais do que o corpo em si. Recordo muito mais a alma e a paz que sinto, do que a excitação momentânea, rara e esquiva. Mas diz-me, interrompi-te, desculpa.

- Sabes, estava a pensar meio angustiado acerca da inevitabilidade da discordância de dois dispares pontos de vista acerca do mesmo tema, a acçâo/reacção. O está tudo bem. O chorrilho de rebuscadas e apoteóticas glamorizações e eclécticas atitudes que tentam esconder em palavras ajustadas à imagem o ego, esse traiçoeiro monstro demoníaco e demolidor de gente boa, má e assim assim. E aquela mulher do sul recorda-me isso. A eloquência do amor aos homens, o desamor aos filhos na transferência de um deles, a deturpada consciência do ressentimento, o desconhecido valor e entendimento do que é ser, a quase malévola forma de perdão. Na verdade, o ego engole o ser, e neles se afirmam outros seres.

- Lacerda, queres chá?

- Sim, serves-me por favor. O chá, tu e a noite que entardece o dia, fazem-me sentir pertença. Tenho poucos amigos, tenho os que preciso, e neles me sossego e descanso. Durmo bem, porque posso. Obrigado, está bom, o chá desta casa tem as nossas vontades a arder com ele.

Extracto de palavras por ver o sol um dia ..... to be continued

Desafio ao tempo

O tempo não se acrescenta.

O tempo não é inviolável.

O tempo e a morte são parceiros.

 

Um e outro têm na génese a semelhança inexplicável da vida. Têm ambos a diminuição e a quase cobardia de não haver mais tempo, mais morte, mais explicação, mais oportunidade.

 

O tempo com a impossibilidade de se viver o mesmo fragmento mais do que um momento, e a morte com a impossibilidade de acontecer repetida, apêndice que é da vida, fa-la análoga a si mesma. 

 

Esquizofrenico e desafiador este pensar com tempo e vida.

24 de todos os meses

Não é esta noite. Nem a próxima. Nem a anterior. Nem há noite que ceda igualdade. Nem noite que aproxime a fraternidade. Nem homens que da noite façam pão. Ou noites que da solidão façam presença. Ou da guerra façam paz.

 

Nenhuma noite se transforma de vida por ser uma data. Uma data nao é noite nenhuma.

 

Não me apoquentem com noites de data preenchida e antecipadas luzes para me lembrar.

 

Eu nao sou esquecido. 

Tão bem que me sabe companhia

De memória em memória

colo todos os felizes pedaços de noites em que me soube bem companhia.

De pedaços de noites e dias, recordo todas as memórias em que a melhor companhia de mim, fui eu, mesmo tentando não a ser.

Não dispenso o silêncio enquanto necessidade e vida em mim.

Tão bem que me sabe acompanhar-me.

Tão bem que me sabe companhia.

Excerto de palavras por ver a luz do dia, um dia

Desajeitadamente sem saber onde colocar os olhos, as mãos, as vísceras até, perdi-me em ti precisamente pelas vísceras revoltadas, as mãos suadas de saudade, e olhos cegos de luz, desajeitadamente que eu não tenho jeito para me deixar amar. 

Desarmaste-me com um: "és como eu, ainda bem que és desajeitado como eu" . Senti ali o ajuste de mais de 50 anos desajustados. 

 

a lágrima suportada

O caminho,

o céu,

as nuvens que embranquecem a madrugada,

a noite que se põe num outro firmamento,

o caminho novamente,

a manhã e a madrugada,

os corvos que espiam em debandada,

o caminho e a saudade,

a distância e a planície,

a lágrima suportada.

desejo enlameado de coração

O que me rodeia já não é o mundo vigente,

Rodeia-me um mundo construído de reconstrução, onde habitam todos os meus sentidos e os sentidos de todos os meus sentires.

 

Habitam-me combinações sem data fixada ou por afixar de encontros no pinhal que conhecemos tão bem quantos os nossos corpos,

Melhor do que as nossas bocas e a lama transpirada com pele que faz de nossa cama.

 

Habita-me quem me pode habitar que por descoincidência é quem eu quero ocupar,

Os abraços testemunham a vigência do meu mundo sem determinação de festejos.

 

Os meus amigos e os meus amores unem e libertam abraços de braços por ligar,

É o diário vínculo do amor no desejo enlameado de coração.

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