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Cardilium

Cardilium

a decência de ser

A decência de eu ser, a uniformidade de ser eu, neste mar acrescentado de terra que é o meu país.

O meu país é pouca gente, somos dois ou três a quem eu bato à porta de madrugada, quando a madrugada me sangra no pensamento, num rodopio escanzelado e cruel que quase me faz descrer na minha decência de eu ser, na uniformidade de ser eu.

As minhas palavras tendem à normalidade para me sentir menos só, o entendimento do que sinto é invulgar e, muitos dias os há, em que sozinho me sinto menos só.

eu? deito-me para acordar.

quando me deito é quando acordo,

e quando me levanto é quando adormeço,

é a vida em negação abençoada,

dói tanto,

mas dói menos,

adormecer quando me levanto e acordar quando me deito.

 

penso tanto e em tão pouco,

nas noites de pranto e desgosto,

que sinto perdido o pensamento,

dos meus próximos mas ausentes.

 

atravesso a mais bela solidão da minha vida,

na floresta, o vento canta doce a afinação funesta da poesia,

leio o outono,

vejo o suicídio de todos os homens em avessas concordâncias,

e a mais bela mulher envelhecida,

descobre a vida já tardia.

 

 

enquanto isso,

uns idiotas debitam frases nas redes sociais, negligenciadas de saber e enriquecidas de recados incoerentes e ignorantes.

 

o vento acalmou,

chegou ao céu,

eu?

deito-me para acordar.

gosto mais de gente sem toilette

gosto mais de pessoas sem horas, que não combinam quando aparecem, que não se despedem quando vão,

gosto mais de pessoas sem toilette, que descalças correm no jardim onde o verde se enfeita de olhar,

gosto mais de pessoas em desuso, não pela caducidade do desuso, apenas pela actualidade que o desuso tem no coração,

gosto mais de pessoas enchidas de gente que abraçam as pessoas com os braços, que apertam as mãos, que sofrem de peito aberto em comunhão,

gosto mais das bocas coerentes que não envelhecem com as rugas que a cara rouba ao espírito,

gosto de gente que não tenho,

de gente que ficou pelo caminho,

de gente que não chegou a ser gente incompreensivelmente,

 

 

e,

incompreensivelmente,

a minha intuição não mente.

 

18 fev 2019

Já não me amas? Vou-te matar.

Traíste-me? Vou-te matar.

Queres ser feliz? Vou-te matar!

 

e, escolhe-se assim quem se quer vivo, quem se quer não vivo, ou quem se quer morto, porque egoisticamente se gosta tão pouco de quem se é, que se sabe que ninguém mais gostará de um mentecapto, egoísta, controlador, sem caracter ou essência que se ajuste a um outro ser. Então, dispara-se um tiro, lava-se as mãos, e entrega-se à justiça que pune nos tais 25 anos a tal disfunção cognitiva / emocional, sabendo-se que na realidade são 15 anos esse delito de escolher a morte de uma outra pessoa.

Como na generalidade a isenção de culpa, o não sentir culpa é uma característica da bipolaridade homicida, e que a dita culpa não invade o sono desses seres energúmenos, está desenhado o perfil auto-justificativo de tal facto.

 

- Ah provoca-me andando com outro.

- Tanto que eu fiz por ela.

- Ela não reconhece o meu amor.

- Não sei viver sem ela.

Sim claro, tudo boas justificações para devolver um corpo à terra.  Estás perdoado seu animal.

 

Na verdade, há 18 horas que não consigo eu, não me envergonhar pela raça humana, e esquecer a imagem morta de uma mulher no chão, e de todos os comentários alguns em forma de “talvez ele tenha uma pontinha de razão” que me entristece, e, não deixa o meu dia ser o meu dia. 

 

Choro por dentro sem conseguir calar este pranto. Sei que amanhã é outro dia e isto tudo voltará à normalidade. Mas aquele pedaço de terra, não o pisarei jamais, em memória ao 18 fev de 2019, de uma mulher que eu nem conhecia, a não ser de “vista” como se ousa dizer.

 

Paz à sua alma, seja lá isso o que for, da boca de um ateu.

praça 5 out

A praça da minha infância,

rejuvenescida,

cuidada,

jovem,

amadurecida,

guardo nela todas as esquinas,

todas as mortes em todos os outonos,

todas as vidas em todas as primaveras,

todos os amigos e o engraxador desaparecido,

as ruelas,

as vielas,

as gastas escadas,

o castelo encostado no céu,

a calçada envernizada pelo frio da madrugada.

 

Guardo todas as horas felizes e todas as outras,

na esquina pérfida da minha adolescência,

agora,

é ver os vereadores engordados em exibição domingueira,

em suas lustrosas barrigas,

cumprimentar os cidadãos em apelo ao papel de urna.

 

A praça da minha infância,

Viva a praça!

5out.jpg

 

de uma forma simples

Quero falar-te de uma forma simples de toda a intensidade que me habita. A simplicidade é a mais complexa forma de amar. É um todo que me ocupa, me invade, me arrebata. É como se as estações deixassem de existir, e deixasse de ser importante se: neva, chove, está frio ou calor. É como se os dias não fossem dias, e as noites não fossem noites. Vivo na quietude avassaladora de aguardar o próximo encontro dos nossos abraços, dos nossos beijos, das nossas gargalhadas, das nossas canções, do nosso amor. Esta é, a forma mais simples que encontrei para falar-te hoje da complexidade do meu amor.

 

ser-se

 

perdido,

só de perdido,

como o céu que arrefece,

límpido.

quando a noite se junta ao dia,

em todas as esquinas do bairro empobrecido de gente.

 

 

gente mais do que pessoas,

pessoas menos do que gente,

perdido sem que se tenha,

por companhia diferente,

ser-se mais do que perdido,

na solidão ser-se ausente

horário nobre dentro de si

é o aquecimento global,

a segregação social,

a homofobia,

o preconceito,

o racismo,

a corrupção,

a descarbonização do planeta,

a digitalização do mundo,

o nuclear,

o lucro,

o dinheiro,

o carro,

a casa,

a competitividade,

o empreendedorismo e a inovação,

a violação,

a violência doméstica e a politica,

o share,

os media, etc etc etc .

 

E a vida?

Onde se escondeu a vida?

O amor?

A amizade?

 

Hoje não perca.

Ás 22h num canal qualquer em sua casa, na sua sala, em frente ao seu sofá, tudo sobre a miséria, anunciado em horário nobre dentro de si, horário nobre da sua vida.

 

Não falte!

Escravize-se só mais uma noite

 

 

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