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Cardilium

Cardilium

sem que se explane

não me despeço nunca de alguém,

como não deixo de frequentar nunca o mar,

não frequento nunca ninguém,

como não me despeço do olhar,

sem despedidas atempadas ou infrequências,

nem sou,

nem deixo de ser a alma que me preenche,

cheia de um mundo,

sem entendimento que se explane.

A vida recorrentemente, em paz, leva-me a guerra dos dias e os sonhos

 

A vida recorrentemente leva-me quem luta, em paz,

Um dia reunir-me-ei exatamente com os mesmos com que me fui reunindo por cá,

Para contar notícias e falar de poesias e canções,

Para rirmos juntos da hipocrisia que a partida promove,

Para conversar dos filhos, dos netos e dos velhos amigos como nós,

Volta na volta, companheiros de luta partem-me sem nos abraçarmos,

Porque não temos tempo,

Porque não percorremos a vida como o tempo que a vida percorre em nós.



Depois?

Depois resta a paz.



Quando for eu,

não digam, escrevam ou contem,

que ainda ontem tínhamos estado juntos, e estava tudo tão bem,

que eu era muito qualquer coisa,

se eu não era nada afinal,

se não um amigo de poucos amigos. Mas dos bons!



A vida recorrentemente,

em paz,

leva-me a guerra dos dias e os sonhos.

Nós dançamos com a gente que dança connosco

Todo o gerúndio ecoa como futuro plasmado,

como se de dentro de uma gruta,

 a felicidade fosse como jardins salpicados,

de crianças e flores,

sem que ninguém de alguém,

tivesse pisado de forma certa e coerente o presente.

 

Todas as canções falam de alguém que se transforma em ninguém,

ou da desventura caótica da felicidade,

ou da miséria desventrada da riqueza,

ou modestamente de encontros,

de reencontros e de partidas,

de canções e de cantigas.

 

E, nós dançamos.

Nós dançamos com a gente que dança connosco,

sem que dancemos com quem connosco dança!

Irreflexão

Há vida sem existência, não existe vida sem essência.  

A existência filosófica é a única forma de existência, é a essência vivida, aprendida e apreendida todos os dias.

Sem irreflexões.

humildade sem quórum

que arrogância dizer na primeira pessoa que se é humilde,

ou da segunda e terceira que o não são,

ou são,

se a humildade é pagã,

imensurável e vilã,

aquando aos olhos de outros,

se vê apenas cegueira,

e no olhar nauseabundo de humildade apregoada,

não se sustenta o proveito,

a não ser publicitário.

 

humildade será sempre uma qualidade não arrolada à arrogância de o ser.

escombros e val de mar

" ... vagueio nos escombros que ficaram em mim de alguma coisa que já nem recordo e, alguma coisa que não recordo, terá sido os escombros por onde vagueio. Este terrível esforço que não sabe se quer ser recordação, é forçosamente uma recordação. É nesta besta incongruente que vivo. É neste inquietante mundo que habito. É só por ser, porque na verdade isto é tudo e nada, são todas as primaveras longe das flores, todos os outonos fora de tempo, todos os invernos distantes da lenha a arder, todos os verões neste miserável bairro de criançada sem cidade, da cidade sem este bairro, de mães e esquinas, de tabernas de vinho com os homens soltos até maio ou depois, de gente que entra, sai e adormece, nos jardins de ópio à solta, e minha mãe já morta, e val de mar já deposto.

Eu, nos escombros sem terra, sem bairro e sem a quem amar, vagueio inquieto por mim adentro ..."

Era muito bom não ser permitido

" ... Os bares cheios de fumo de outrora, onde tocava, the cure e talking heads, já não existem. Vivem agora em ruínas dentro de mim, espaços de olhares fixos e fugidios, onde as palavras presas se soltavam, e os corpos esguios, adormecidos e adormentados, se colavam por uma noite prenha de juventude e abertura espiritual ao momento. Não se via magotes de gente em burburinho, era tudo muito silencioso e vivido. Ou eram os meus ouvidos e os meus olhos, que estavam mais sossegados do desassossego da decadência. Era muito bom não ser permitido..."

descoberta

Quando nos descobrimos, descobrimos que não vivemos apenas connosco.

Descobrimos a presença, a ausência e o passado.

Descobrimos quem por nós passou como se não tivesse passado.

Descobrimos quem por nós passou, ficou e está.

 

Esta descoberta emocional aguda e disruptiva, desconstruíu-me para me reconstruir.

excerto de palavras por ver o sol num dia de Janeiro

Sem que o encanto fosse mais do que o sorriso envergonhado com que decoras a janela, passeio-me em todo o teu corpo, querendo nele atracar a barca quase naufragada em alto mar. Nem todas as manhãs são inícios de dias, porque algumas delas não se transformam em dias, e, alguns dias acordam sem que haja manhãs. Tudo é metamorfose em mim, e dentro de mim, existem todas as madrugadas que podem não se transformar em manhãs nunca. Eu sou toda a terra, todo o mar, ou coisa nenhuma acordado neste adormecimento sensorial, ou adormecido nesta existência racional de sobrevivência do delírio. Fico nesta pedra solarenga sentado com os meus pensamentos ao colo, e a saudade embrulhada no peso que me faz este peito de tanto silencio aguentar. Desfaço-me aos poucos de reconstrução em reconstrução, sem que o encanto seja mais do que o meu sorriso envergonhado também.

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