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Cardilium

Cardilium

Prelúdio da felicidade

A relativização do tempo quando gasto com sentido é felicidade em forma de:
- noção de isenção do tempo.

De uma forma simples:
- quando não se dá pelo tempo passar é porque se acrescenta vida ao tempo -

É o prelúdio preliminar da felicidade ...

café com conversa de matar a solidão

Nas vielas entreabertas da cidade ergue-se o cheiro das esquinas. Num café a meia luz, uma mulher serve os clientes sem lhes perguntar o que querem. Os anos, dá-lhe a sabedoria de lhes saber a necessidade do que tomam a cada diferente hora que a visitam. Eu, novo ali provoquei-lhe um desconfiado:

 

- bom dia, diga. Bom dia, um café por favor. Normal? Sim, normal.

 

Voltou-me as costas e todos aqueles sons de quem tira um café me invadiram.

 

- Belo café disse eu.

 

Naquele momento já emudecera. Ensurdecera. Cegara e uma amnesia total invadia-a, não fosse eu ser um agente da policia, daqueles que lhe levam os fregueses.

 

Logo eu, que só queria um café com conversa de matar a solidão. 

personagem por abjudicar

estou a acabar um conto que pode ser uma carta,

pode ser para o mundo ou para ti somente,

são palavras que a presença não rebentou,

são vocábulos que a ausência fecundou,

é saudade arremessada de uns olhos vertidos de água,

são mãos estendidas de dedos por entrelaçar,

 

é um conto sem escolha de personagem por abjudicar,

sou eu,

o meu peito,

e o mar.

Logo, voltarei

Sempre que a noite se renova na cidade saio do quarto onde o dia foi quase noite para mim. Em poucos metros quadrados, circulei todo o dia sem querer ver a luz. A noite, entreaberta, entra-me pela janela adentro. Saio.

 

Ao príncipe real, os mesmos pombos e a mesma senhora, têm infindáveis conversas de companhia, a troco de uns bagos amarelados de milho. As mulheres passeiam-se perfumadas para descer ao cais do Sodré. Vão vender amor em bocados de minutos e notas gastas de solidão. Há pessoas nas ruas em diversas direções. A família é sempre a noite.  

 

Uns voltam. Outros estão. Outros procuram. Outros não. Outros sonham. Outros sim. Desço até ao Combro. As ruas estreitam. Não tenho janelas que alcancem o rio. O rio não tem apenas esta cidade.

 

Onde cresci, o mesmo rio, guarda os lábios primeiros em que adormeci. Guarda-os no sonho que velo até hoje. A minha pequena cidade já porventura não me reconhece. Faz mais de mil luas novas que não a vejo. À média de cinquenta e tal novas luas por ano, serão pelas mil luas a distância que me separa à cidade onde cresci, onde deixei os lábios primeiros em que adormeci.

 

Vagueio pela cidade na demente esperança que um dia voltarei a ver, aqui, tão longe, tudo o que velo e guardo, sem preocupada existência em que me tornei.

A luz espreita a madrugada. Volto para os meus metros quadrados, onde circulo todo o dia.

Logo, voltarei.

existência sem existir

um dia,

a minha existência não mais se cruzará com a vida e com a cidade a anoitecer,

as cidades irão sempre ser crepúsculo e amanhecer,

 

eu,

irei ser sempre existência,

mesmo sem existir.

ao Tejo canto uma estrofe

tens na tua voz o mundo,

o afecto,

a liberdade,

a sensualidade da meninice com que te enfeitas,

o sorriso limpo e claro,

o gosto,

o prazer de seres na tua voz,

a voz que és no teu ser.

 

 

as canções que a tua voz embalam,

são a vida descrita em rimas,

o amor entendido nas quadras que se soltam na tua garganta,

nas tuas mãos,

no teu corpo todo,

capital emocional com que me deleitas,

nessa altivez envergonhada de uma canção partilhada,

nos recantos d´alma de um jardim proibido.

 

Todo o teu mundo habita a tua voz.

Falas ao desbarato de porções de vida

Falas ao desbarato de porções de vida

 

fala 1

- Será o alter ego de alguém com certeza, e assim sendo terá personalidade própria, será “almado” de alma própria e incomum. Conheço-o pessoalmente, que parva redundância, se o conheço já é pessoalmente, ou pode não ser? Sim posso não conhecer e / ou posso conhecer. Ok, adiante.

 

fala 2

- És doidinho, disseste-me.
Não. Todos somos. Todos não. São mais os bem-aventurados.
O fulano I, o fulano II e o fulano III não são. Parecem, mas não são. Ouvem o relato ao domingo à tarde, e falam dos que passam, no largo de quem vai para a praia. Parecem que são, mas não são. Deve ser por usarem brincos.

 

fala 3

- É o teu ponto de vista aceito.
Não. Não é um ponto de vista.
Ponto de vista são várias opiniões sobre uma coisa, há vários pontos de vista, cada qual tem um ou mais, eu, no limite teria o meu.
Não é nada disso que eu estou a dizer. Estou a falar do largo frequentado aos domingos à tarde e de brincos.
É só uma só opinião, não é um ponto de vista.
Pode até nem ter nenhum valor para alem de todo o valor que para mim tem.
Não tenho nenhum ponto de vista
Posso enumerar outros energúmenos, para te facilitar a percepção, ou ser de menos difícil entendimento.

 

fala 4

- Também haviam rapazes do trapézio voador, eram dois (no sonho);
um homem do poço da morte (no sonho);
um indiano que encantava jiboias, fazia-as silvar, incrível (no sonho);
duas velhas mongolianas, muito velhas, com mais de cem anos e sem anos que se lhe contassem, com o mundo descrito nas rugas, olhos sem olhos que escurecessem mais a noite (no sonho);
e meia dúzia de orgasmos que também por lá cantarolaram (no sonho).

 

fala 5 -

que vida doida eu tenho morrerei sem saber quem sou, eu que só queria ser exageradamente poeta, do género:

- junkie da poesia

final de uma alma terrena

" ... nas madrugadas mais do que sóbrias o pranto acordou de alguns minutos de adormecimento,

nem o desassossego com que as almas se sossegam deixam o pranto sossegado,

as almas não têm sossego por muito que o sossego seja o final de uma alma terrena ..."

O amor por ser amor, já é amor

Quando se disfarça a poesia de prosa e a prosa sangra de sentir, muda a prosa de planeta e a poesia de palavras.

 

O céu veste-se de cor, o mar de amantes náufragos, o vulcão há anos adormecido espreguiça-se e cospe fogo, todo o amor se reúne de todo o sentir, não há mesa que o albergue, vida onde caiba, planeta onde sobreviva, foz onde desague, e nunca chega ao fim, nem sequer nunca começa, que não há suficientes lagrimas que o chorem, suficientes lábios que o sorriam, suficientes bocas que o beijem, suficientes mãos que se passeiem dadas, suficientes noites que amem, que o amor não tendo início não tem fim, não tendo explicação, não tem questão, não tem amores iguais a outros que o foram ou venham a ser, não tem quadra rimada ou prosa soletrada.

 

O amor de tão simples ser, tem a complexidade latente do medo de terminar. 

 

O amor por ser amor, já é amor.

 

Pouco a dizer, nada a acrescentar, nada a argumentar, tudo a viver.

 

Só,

Viver!

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