“… a primavera não é mais bonita que outra qualquer estação, nem mais feia, nem mais perfumada, nem mais iluminada pela lua. A primavera é quando o tempo me começa a escassear no prolongamento dos dias, nas noites que minguam, em época que sobra e me falta.
É física a minha primavera. Visceral. Caminho de um sentido só de sentidos. Amena. Desentendidamente em guerra com as nuvens carregadas de isolamento. É a antítese metafórica das palavras que broto á terra, para colher nunca.
Autobiográfica? Impossível! Impossível autobiografar quando não sei qual delas sou. Se primavera, se as outras não primaveras … “
“… essa coisa Freudiana do édipo não me assiste. Nem o meu ego, nem minha libido estão relacionados com a minha mãe, essa senhora envelhecida ainda jovem. Da minha mãe, veio o meu lado ateu da fé …”
Falta música conhecedora de música às palavras. Quando a tentativa vã de conceito, esgota salas sem música que seja de si mesmo feita, falta poesia, ouvido, menos social irreal e dinheiro obscenamente cobrado à entrada.
A musica nada tem a provar ao ouvido ruidoso e apedrejado de mente.
A insularidade promove a genialidade, quantos menos gente melhor, quanto mais salas bafientas e antigas de multidão diminuta, melhor igualmente.
O desconhecimento faz o ridículo. Não posso, não devo julgar quem conheço, muito menos o devo fazer a quem não conheço, ou a quem o tempo não me deu a conhecer.
Desresponsabilizar-me, far-me-à sempre cair no erro da tentativa de encontrar em alguém ou algo, a minha própria responsabilização.
A sociedade vive para fora, para os outros, para a manipulação da auto-imagem.
A individualidade vive para a sublimação.
O tempo ensina-me acerca da humanidade. O que gosto e o que não gosto.
“… As tuas mãos labirínticas. O bairro desfalecido. A Inês que deixou de ser mulher para ser o Ricardo. O pré-conceito dilacerante e obstinado. O mar entediado com a maledicência. O Ricardo frágil. A Inês quase forte. Gosto dos dois que um pénis não altera o meu gostar. A coragem vive mais do que a cobardia. Os drogados não se importam com a Inês, Os alcoólicos desimportam-se com o Ricardo e, se ele pagar um copo, podem até dizer: “ - eu não sou, mas tenho um amigo que é …”. A Inês, tem uma amiga e um amigo que são. São os dois no mesmo corpo: - paixão, coragem, mãe, madrugada, esperança, mundo, solidão e magnificência – mas são do verbo ser, antes mesmo da maldita desdita …”