Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Cardilium

Cardilium

Penso diferentemente

" ... penso diferente porque não transcrevo pensamentos. Elaboro o que sinto em palavras e embalo-as, assim ninguém poderá exprimir-se igual, mesmo que igualmente, haverá sempre desigualdade no sentir. Não transcrevo sub-elevadas teorias que não me pertençam, assim me mantenha, emocionalmente opinativo. Leio livros, apropriando-me deles sem desfazer as palavras dos pensamentos ..."

Nick Cave para normalizar

Os olhos, 

O ventre,

O sorriso,

O frio,

A surpresa,

O descanso,

A alvorada,

A dança,

O pranto,

O livro à cabeceira.

A louça por secar,

A sexta-feira por acabar,

O corpo por descansar,

O tempo desmedido,

Os acordes rebentados e as rebeldes palavras que me acalmam,

Nick Cave para me normalizar. 

 

Sexta feira sem cinzas,

Sem quaresma por devotar.

 

Ressaca

"... cheguei a ter inveja da paz dos cães e do sossego das pedras.

 

Inveja de não sentirem a ressaca de sentir a pele a rasgar-se, as tripas afogadas em desespero, e a garganta agigantada de morte. 

 

Inveja das esquinas onde sobrevivia. Inveja de tudo o que fosse frio e imóvel. Inveja dos rios e da vida dos afluentes.

 

Ainda hoje a raça humana não me seduz por aí além. Melhor, seduz-me muito aquém das árvores que invejo e abraço. 

 

Cheguei a ter inveja da paz dos cães e do sossego das pedras ..."

 

 

Sábio pobre

Vale esta poesia que me abraça.

Este pequeno rio onde a margem me sossega.

O delirio da canção que me exalta.

A velha praça destruida.

Os velhos cansados de velhice.

Os jovens fartos de juventude.

Todos insatisfeitos das suas satisfações.

 

Enquanto isso, vale o tempo que dedico ao entendimento da triste e ansiosa vida, chorosa de mil razões sem nexo ou casualidade.

 

Permito-me no dia de hoje ser um sábio pobre, que a riqueza não abona quem de esperança se aliena. 

Intuição

Sou um homem de primeiras impressões.

Sou de primeira errada impressão.

Sou de primeira acertada impressão.

Sou de intuição acreditada. 

Avó

Lembro-me sempre da minha avó. A mãe de meu pai, que tal como mãe, não tive mãe de minha mãe.

 

Tenho alma de geração antiga, alma de quem resolve a vida com canções, de quem resolve a dor com mezinha e sabedoria trazida pela estações. Trazida pelo tempo somado de dias gastos e manhãs segredadas pelo horizonte. 

 

Lembro-me sempre da minha avó sentada, já morta pela vida, adormecida à minha chegada. Lembro-me dos olhos que riam de azul. Dos lábios finos e esguios como o andar. 

 

 

 

 

Zanga-me

"... continuei e disse-lhe:

sim roubou-me amigos,

sabes,

perturba-me a cegueira colectivista e sectária,

a ignorância ignóbil e capitalista,

o feudo institucional,

o pseudo humor organizacional e social. 

 

zanga-me tamanha cegueira e ignorância. 

embora entenda que não se entendam os poetas,

mas zanga-me ..." 

não se recorda o amor

não se recorda o amor,

o amor não tem latente recordação ou eminente sabedoria,

ao amor sobeja a dor de se ter acabado,

não ter frutificado,

ou apenas não ter sido talvez amor,

 

não se esconde o amor,

é impossível que não saia pelos poros,

pelo sorriso, pela insónia e falta de apetite,

pelo vulcão eruptivo,

não se recorda o amor, o amor não tem latente recordação ou eminente sabedoria,

valsa

dançarei a valsa mesmo que desafinado no passo,

que em alma destinada não há valsa que não se dance,

passo que não se dê,

corpo a que não se junte dança,

bailado a que não se junte génio,

alma a que não se junte valsa.

Cidade

" ... adoro a sensação desta cidade não saber de mim, deste mar ser a janela onde me debruço, este cheiro o norte,

 

de neste imaculado anonimato poder despir-me e, neste caminho onde deambulo irreconhecível ser a proximidade que desejo. 

 

adoro ver os homens que nunca vi, as mulheres que nunca me viram e esta virgindade que me dá esta cidade sem amigos, sem familia, com toda a solidão que preciso.

 

o bom dia com que saúdo a rapariga que não conheço no café da manhã, ajusta a cidade que me alberga estes dias 

Pág. 1/2