Há dias verdadeiros em que me defendo de mim e sou.
Dias feitos de bairro onde estou só, onde estou eu, o jardim de trás, os cães, a relva por cortar, a água dentro das poças, a passarada, os antigos e sumidos desenhos na pintura gasta e velha do prédio, e os “amo-te”, redesenhados e avivados com a paixão, substituídos por nomes feitos de presente.
Já li: “amo-te claudia, patrícia, rosa, maria, susana, isabel, palmira, fernanda etc” e tantos outros que afinal não são nomes desenhados na parede traseira do prédio, desavindo com a parede da frente.
Há desenhos de sol, nuvens, paz, e poetas mortos. O bairro inteiro vive nas traseiras. É por lá que nada existe.
“… nem as escadas a perder de vista transformam o sol em calor, está sempre frio aquele chão. As pedras colocadas em filas até à cidade, mantêm sempre o brilho gélido das manhãs mesmo açambarcadas pelo sol. O sol naquela terra é eternamente frio…”
Sentado entre o sono, a espertina, e meio metro inalcançável de corpo, com quem dancei a despedida quente e húmida a sul do sítio para onde este pássaro moderno me teima em levar, deixo cair pensamentos vagos, difusos, atrapalhados por um querer que não poderá nunca ser querer.
Espero nunca aterrar deste sonho que já se desfaz a cada minuto que o sonho. Sonho que este pássaro se transforme em pessoa, e nós nos transformemos em pássaros e voemos cada qual na sua direcção, em direcção a cada sonho que guardamos enquanto céu, livre e longínquo, irreal e desejado, que o sonho, é a infantil coragem, de te poder abraçar junto das estrelas uma última vez.