Em todo o mar foste sal, em toda o céu foste voo, em todas as manhãs foste claridade, em todas os beijos foste boca, em todo o amor foste sexo, e em todo o sexo foste amor também.
Para quê mais tempo se a morte já se anunciou?
Quando assim é, basta-me o recato do meu recanto, a poesia do meu pranto e todas as estrelas do céu que não se ausentam.
Quando assim foi decidido por ninguém, (porque ninguém decide a vida), basta-me com todas as forças que me restam, estar por aqui e ser todos os minutos que me sobram para ser.
Se deus existisse talvez fosse ele o decisor, mas deus não existe, e a mim não me dava jeito nenhum que existisse, se não eu não pensava, não analisava, e teria nele todas as justificações básicas de: - é como ele quer porque ele é que decide, ou não é como ele quer porque ele não tenciona querer-
e, eu, não seria nenhuma evolução, seria apenas um ser involuído.
Não quero dessa maneira descomprometida tamanho descomprometimento. Quero de uma forma digna carregar-me, e não vou ser mais uma estrela no céu, uma luzinha a brilhar, vou ser um apagão no mar, um acorde numa pauta, uma recordação irónica da diferença entre ninguém ter decidido por mim (nem eu), e de deus não me acompanhar. Quando eu morrer desencantem-se, mas, bebam chá, não chorem e abracem-se, é-me suficiente. Ah a não esquecer: - gozem e riam-se -
Houve uma época da minha vida em que me tentaram (e tentam ainda) vender uma coisa superior a mim, toda a vida o fizeram.
Em casa a minha mãe e até as paredes onde os santos estavam pendurados o tentaram.
Depois o jardim de infância que referia deus no apelido.
Depois um colégio.
Depois, uns gajos que me pareceram no inicio ser gente sã, que me diziam que havia algo superior, ok está bem, existe, depois descubro, depois descobri o que já tinha descoberto, não há, mas ao que lá fui, até tem resultado, menos mal.
Agora o que há e lá isso há é:
- o certo e o errado, o bem e o mal, a verdade e a mentira, o comprometimento e o descomprometimento, o amor e o desamor, pouco mais há, para alem do mar, a musica, e as janelas da alma que se abrem quando as consigo abrir.
As janelas da alma. É isso. As janelas da alma. Vou escrever depois sobre isso, janelas da alma.
O vidro embaciado é uma como uma parede a desnudar-se. Os vidros e as paredes podem ser vestidas ou despidas de destino ou amanhecer. As mãos que me tremem de peito seguro, são todos os outonos a arrefecerem-se dos meses seguintes. Os pés quase cansados aguardam o que desconhecem de vida. Nada sobra ou resta de miséria. Nada se põe como a tarde entre os pinheiros feitos de agulhas que se espetam na terra, nada se atreve a ser como a chuva após amaciar a dor.
No canto da sala visto do terreiro para o canto da sala, jaz por ressuscitar, a lareira. Este inverno aliás como o anterior e os outros, será feito de vidro embaciado, de parede desnudada, de amanhecer, de destino, de pés cansados, de pinheiros, do canto da sala, e de inverno novamente inverno ..."
Entram-me árvores pela janela dentro, entre um ofício e outro, entre o falar de como ganho a vida, e o matar a distância para o discurso seguinte em megawatts hora.
No intervalo sou o que: - quem me recebe não faz ideia - Sou o momento feliz do meu dia.
Eu. A viagem. A paisagem. As árvores quem me entram pela alma adentro.
Tento criar beleza às silabas. Devagar. Lentamente. É o que deixo de fortuna. É o que fica de minha herança, a tentativa de dar amor às palavras, como se duas palavras, fossem duas bocas ou dois peitos, que se pudessem beijar ou abraçar. Em boa verdade conseguem-no.
Não posso escrever bonito ou demasiado feio. Posso meramente criar beleza em silabas desobedientes de acção.
Posso até falhar como homem, mas se der liberdade às palavras que me habitam, está tudo bem no meu coração, atendi-o.