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Cardilium

Cardilium

Há equações que resolvem três incógnitas

Por cada incógnita há uma equação. Há equações que resolvem três incógnitas. Como devem ter sido felizes todos os poetas que não tinham facebook, blog´s, instagram, etc etc etc.

 

Assim não foram alvos de terapia de bolso, de quem acha que entende muito bem a cabeça dos poetas. Assim: - Pessoa, Breyner, Espanca, Torga, Andrade, Queirós, e tantos outros livraram-se da análise de personalidade e delírio, em prol do gosto pelas figuras de estilo, a musicalidade das palavras, a mensagem do que na verdade tinham para dizer, em troca de consultas baratas acerca da obsessão de quem lê e, não entende o entendimento da poesia.

 

Terá obrigatoriamente um poeta que se suicidar?

Ou ser o que os outros querem que seja, no desentendimento da sua própria existência? Terá um poeta que - alguma coisa -?

 

Um poeta não tem coisa nenhuma Um poeta tem no seu refúgio tudo o que lhe assenta e precisa. Humor. Medo. Companhia. Amor. Realidade. Ficção. Observação. Amigos. Solidão. Mundo. Mundo. Mundo e mundo.

 

A incógnita e a equação deste texto está aqui - por cada incógnita há uma equação. Há equações que resolvem três incógnitas -

querendo-te

"... maior do que a força humana,

vil e terna poesia com que me castras,

feres e encantas,

perduras nos gritos que emudeço,

louca e virgem,

possuída e amada,

ferida,

ensaguentada no delírio de nao te querer,

querendo-me,

querendo-te..."

uma mãe e amor.

Ser feliz até onde der,

por um dia,

só um dia,

mais um dia,

outro dia,

dias de vida,

vida de dias,

 

“prego a fundo”,

sem limite para a alegria,

e o abraço que me leva o medo,

e me devolve as lembranças,

que me habitam o coração,

essas,

só as mostro a quem me vê os prantos,

porque o meu amor são as lágrimas que escondo,

na altivez de quem me descobre,

una,

especial,

de quem vê musica em mim,

um bailado,

uma flor,

uma madrugada,

uma giesta,

um mar,

um oceano,

uma mãe e amor.

desassossegado momento

“… uma forte bátega de ar quente abraçou-me. Foi como me senti. Abraçado por uma chuvada de vulcão quente, que me queimou mais por dentro do que por fora. Tu, na sombra da árvore que pensei ser tua propriedade a gozares o meu estado, a sentires que o chão que eu piso me tortura a sola dos pés, que do meu peito está prestes a sair um rinoceronte, e que dos meus olhos está para sair uma cascata. Tu, na parte de baixo da tua sombra, esperas que o efeito dos meus olhos em ti sossegue, para me convidares a sentar, sabes que este momento é para aproveitar, e que um dia serei apenas a recordação da minha atrapalhação, e tu serás o desassossegado momento…”

livre não

livre não me entendo,
nem por livre o pensamento,

o homem da fila, lá atrás, empurra,
a mulher à frente diz: - não empurrem,

a canção não diz coisa nenhuma,
e a que diz já não se ouve.

não posso ser livre se a vida não o é,
nem nas filas do supermercado.

conheço músicos que não o são,
e cantigas que não entoam.

pianos que têm coros e clarinetes lá dentro,
acordes que não se dedilham,

e sou enganado sem que o seja,
num sítio estrábico de mulheres nos meus olhos,

e os poemas são palavras sem mensagem,
importadas, inorgânicas e vulgares,

o perfume não tem perfume,
e pergunto-me a mim mesmo: 

- se está tudo bem comigo?
- não seria melhor falecer meia dúzia de meses e voltar depois a mim?

palabra (s)

" ... é a palavra que traz o ódio, é a palavra que traz a paz.

 

Por mais estúpido que pareça, a palavra pode ser a mesma.

será a palavra?

será da palavra?

será o acolhimento à palavra?

será a forma e não o conteúdo?

será o conteúdo e não a forma?

 

Quando não se quer que a palavra vigore, mesmo que se escreva e se reconheça notarialmente, a palavra jamais será palavra, será ubiquidade, é como estar e não estar, ou ser o impossível, a mentira, o acontecimento. A loucura confirma que se está onde nunca se esteve.

 

Não é da palavra …Não é a palavra…”

Árvores e mulheres

Em cada árvore da estrada tem uma mulher encostada vendendo pedaços de amor. Têm nos olhos a ingenuidade perdida no treino da sedução, verdadeiras e genuínas, envergonham os homens que de olhar raiado, pagam bocados de namoro, a cada mulher, de cada árvore da estrada.

Respeito cada fragmento de dor que as constituem.

Livro (s)

" ... pego no livro mais do que uma vez, apalpo-o, desfolho-o; olho a capa, a contracapa, leio um parágrafo desgarrado a mais de meio do livro, pouso-o.

 

Repito o movimento: pego no livro mais do que uma vez, apalpo-o, desfolho-o; olho a capa, a contracapa, leio um parágrafo desgarrado a mais de meio do livro, pouso-o.

 

Depois, preparo uma cadeira de plástico na minha varanda, torce-se quando me sento, ou é fragil, ou estou com peso a mais. deve ser como eu, fragil e com peso a mais.

 

Alinho a cadeira com a lua e dou luz à minha leitura, fico absorvido pela madrugada, leio até o dia me dar com o sol na cara e me lembrar que a noite já se tinha plantado do outro lado do mundo.

 

Não conseguia parar de ler, até que leio um ajuntamento de palavras que diziam:

- és no fundo tu o teu mundo, a tua líbida vontade de viver sem corpo, a mulher que vem passar a ferro e o peito avantajado pelo segredo do teu olhar, a senhora que te faz a baínha das calças, se ajoelha e te olha de cima para baixo e pergunta: "está bem assim" e eu respondo duas distintas respostas; "sim está bom" e uma outra que grita dentro de mim em silêncio que tem vontade de lhe pegar na nuca e a trazer até mim.

 

És afinal o Sr. que se constrói e o pensamento do que és. Há vozes dentro de mim em constante ebulição. De seguida meto ramos de alecrim em mim, deixo ferver e, purgo-me.

 

Não entendo em mim próprio o que em mim próprio existe - 

 

Pego no livro, descanso-o para me descansar a mim, e adormeço até que o meu corpo me acorde. 

Valdemar II

Não me consigo esquecer da cidade, dos  bairros, das ruas e ruelas, das mulheres de decote generoso apregando-se, os policias a fazerem-se de ladrões, e os ladrões a fazerem-se de policias.

 

Não me consigo esquecer dos homens das esquinas coçadas, lisas e polidas pelas calças amontadas em anos de esquina miltante, onde todas as notícias antes de impressas, passavam no crivo do que ao mundo havia ser anunciado.

 

Não me consigo esquecer, das músicas entoadas, das gargantas afinadas, da poesia vivida do massacre, das vielas mal iluminadas onde os beijos custavam quinhentos escudos, um olhar.e uma mexidela de peito.

 

Não consigo esquecer a saudade, nem lembrar-me da recordação, do Val de Mar que me fez homem. O Valdemar.  

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