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Cardilium

Cardilium

Olhar

 

".. É uma questão filosófica, disse.

Há palavras cheias de olhar.

Olhares abastados de palavras.

Palavras cegas pelas palavras.

Olhares cegos de ver.

 

Ambos os conceitos não são estanques, ambos são voláteis.

 

A poesia são as palavras do olhar. 

Vaso de loucura

Continua nessa demência mais do que enlouquecida de silêncio e noite.

 

Esquecerei toda a embriaguez irracional com que me presenteias quando me desfaço do que sou para te abraçar. 

 

Lembrarei todos os goles de beijos que saboreei e de todos os poemas que construí sem que os relesse antes de te os enviar.

 

Sim, plantei a loucura num vaso na minha varanda, tão boa semente lancei que mesmo sem rega-la, floresceu viçosa e rebelde, espalhando-se pela pele, corpo, olhos, mãos e boca. 

 

Continua nessa demência mais do que enlouquecida de silêncio e noite.

 

 

 

 

Tristeza iv

A tristeza não tem lágrimas, tem apenas o sufoco da saudade e o colorido longínquo da recordação.

 

A tristeza é metade de dor e outra metade bem pesada de amor. 

 

Lezíria iii

Estes campos parados de noite e descanso, fazem-me sossegar neste respirar solitário de me sentir em harmonia com as estrelas que me fazem companhia. Gosto da calmaria da lezíria em noite de arco-íris que nascerá pela manhã. 

A gente vai continuar

Canto uma cantiga antiga que diz: - a gente vai continuar - e, andando de canção em canção, percorro a saudade desordenada dos teus cabelos, na lembrança do perfume da tua pele.

 

Revejo a madrugada do rio que nasce e fumega, e o frio que agasalha as nossas peles nuas nos bancos quentes do namoro no nosso carro. 

 

Recordo a serra em cada curva do regresso a casa, e os mil pensamentos castrados na torre geométrica do castelo que nos acolhia.

 

Recordo a cantiga, a canção e o embalo desenhado no: - enquanto houver ventos e mar -

Esta noite quero se quiseres

Esta noite se quiseres eu quero.

 

Podemos saltar do mundo e voarmos pelo céu.

 

Podemos apanhar a brisa que se dirige a sul, que a direcção a mim não me importa, se quiseres ir, eu quero.

 

Podemos olhar os astros e decifrar o universo, se tiveres tempo, eu o tempo sou. 

 

Podemos pensar em todos os sonhos esta noite  ...  que esta noite eu quero, se quiseres.

 

 

Flores

As flores não têm rua nem cor, têm nos olhos o tempo dos amantes e o amor, da cor fazem o perfume, e do perfume a sua rua. 

 

As flores nao têm palavras, têm bordado a simplicidade de admirar. 

Folhas de embalo

Entre as árvores e as raízes que vão dar ao rio, espero ver entrar na avenida a tua silhueta descomposta e atrapalhada, de quem vai passar por mim e fingir a cegueira de não me ver.

 

Eu, igualmente, finjo não te ver por tanto te querer sentir. Transformo-me em árvore e deixo cair duas folhas no chão ao teu passar.

 

Pisaste-as e seguiste. Não me viste. 

 

Amanhã voltarei a ser árvore e a soltar duas folhas quando passares, farei, até me veres. 

 

Mágoa ou medo?

Apaixonamos-nos por quem se descreve num pseudônimo sem referência efectiva ou escondido na sensibilidade defendida na alteração clara da penumbra segura, ou apenas queremos justificar sermos as palavras que ativam as mágoas em medo?

Afasta-me

Afasta-me, de tudo o que é entendimento do que não penso, digo ou sou.

 

Afasta-me, da voz perturbada e da raiva desmedida da vontade contrária à minha, do amor estéril semeado em mim.

 

Afasta-me, da desordem instalada nas noites invadidas pelo remorso de não dizer não à intuição.

 

Afasta-me, padroeira inventada, urgência de paz.

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