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Cardilium

Cardilium

Escrever é o meu endereço postal preferencial

Escrever é o meu endereço postal preferencial.

Gosto do silêncio que a escrita tem. Adoro as vozes que me envia e a descoberta do desconhecido sentir. 

Gosto do ruído, da confusão e da paz que a letras somadas às palavras me dão.

Escrever é o meu endereço postal preferencial, as minhas luzes da cidade, as ruas do meu bairro, as pessoas que desconheço, os homens conhecidos, as mulheres ausentes e a minha memória arrumada.

Escrever é o meu endereço postal preferencial

o bordado das tuas palavras

“ … Este desassossego infindável de quem não tem um beijo como o bordado que as tuas palavras desenharam em mim. Esta induzida solidão de não estar no mundo, este meu corpo desiludido de corpos, desabusado de almas, há-de navegar um dia em paz na paixão da barca lançada ao mar... “

Noites de noite comprida

" ... noites de horas compridas , de relógio parado, de alma desabraçada.

Noites de boca censurada, de mãos caladas, de voz emigrada.

Noites sem noite pacificada, sem barco que me leve ou amor que me traga um beijo só.

Noite de palavras mal escolhidas, desentendidas, vociferadas, ditas pela voz difícil da partida..."

 

 

 

abstémio da assiduidade

“ … Começo a evaporar-me mal o sol se troca com a lua. Como se profundamente estivesse a voltar de um recobro, entre dores e confusão, anestesia e vida, morfina e amor.

 

Começo a evaporar-se assim que a vida me toca, entre o afecto e o desamor, entre a guerra e a paixão, entre o inferno e o pensamento, entre a solidão e, o burguês e abastado estar alienado e terreno.  

 

Começo a evaporar-me assim que começo a habituar-me a ser presença.

Concluo assim: que sou um abstémio da assiduidade …”

excerto de palavras por ver o sol um dia (155)

“ … Sabes, continua a apetecer-me o futuro.

Não um futuro rápido. Pode ser um futuro devagar, onde nos demoremos lentamente a conversar. Um futuro vagaroso onde nos demoremos a rir. Um futuro onde vagarosamente nos demoremos a recordar um passado desfigurado de futuro.

Sempre me apeteceu profundamente o futuro e, fi-lo. Fiz o futuro. Faço-o hoje. Fi-lo em noites acordadas depois de um dia de trabalho. Fi-lo em fins-de-semana fechado e agitado. Fi-lo na minha solidão partilhada. Fi-lo nos sonhos alcançados.

Uns sonhos estão construídos e já não são sonhos. Outros são sonhos ainda, o que faz com que o futuro esteja sempre inacabado. Sem poder fazer amanhã o que somente hoje posso abarcar, continua-me a apetecer muito devagarinho o futuro, sabes?

Voltou a embaciar os olhos e a gemer baixinho, sei, como sei!...”

Zeca Afonso

Vi morrer Catarina 

E um pintor em Pinhel 

Um general assassinado 

Numa rua do chiado 

Traz outro amigo também.

 

Torturadas sem dó

Mais de quatrocentas bruxas 

No comboio descendente 

Senhora do almortao

Indios da meia praia 

 

Numa Grândola junto ao mar

Num maio maduro maio

Campos de milho verde 

Com a pide sempre em guarda 

Embalo o meu menino d' ouro

 

Em novas coutadas

Junto de uma era 

Estrela d'alva chora liberdade

Gritam poetas 

Cantados por Zeca 

 

 

 

 

 

 

 

 

Excerto de palavras por ver o sol um dia (189)

" ... a rua entre as casas onde mandávamos o nosso amor encontrar-se, já não existe. Morreu com a nossa separação.

Apenas restam as árvores de onde caíam as folhas que nos encobriam. Sobram alguns beijos pelo chão que ninguém se dignou limpar.

Talvez seja por não se limparem beijos do chão.

Talvez seja porque alguém julgue que os beijos são pertences de alguém e, alguém um dia os virá buscar.

Não tenho a certeza se vi umas lágrimas também. Pareceu-me. De relance pareceu-me. Mas nao tenho a certeza.

O que tenho a certeza é que a rua entre as casas onde mandávamos o nosso amor encontrar-se, já não existe..."

Excerto de palavras por ver o sol um dia (154)

" ... Outra coisa que te quero dizer, alertar-te talvez, passar-te o que acredito, é que nem eu, nem tu, nem ninguém, vive com aquilo que sabe ou julga saber. Todos vivemos com o que não sabemos.

Todos sabemos muito pouco. Os que vires na vida a julgarem saber muitas coisas, são os que nada têm a acrescentar-te se não, o entendimento de que necessitas para perceberes o teu lugar no mundo, e o que ainda te falta percorrer.

Não tenhas pressa. Uma vida não te chegará, aprende devagar e com o tempo, observa a natureza, lê muito.

Serás homem de cada vez que reconheceres o pouco que sabes para além de sobreviver.

Vive-se com o que não se sabe, porque todos sabemos muito pouco.

Sim. Todos. Muito. Pouco.

És apenas tu, o mar, o vento, a serra, e o amor nalguns dias.

Entendes?

Sim. Percebo no meu silêncio que não desfalece de ruído...."

Excerto de palavras por ver o sol um dia (153)

" ... e mais, continuei eu. De cada vez que ressuscita um dia em mim é como se um bando de borboletas me acariciassem e protegessem. Já não tenho direção, perco-me nesta terra que sempre conheci, neste mar onde sempre mergulhei, nesta tristeza com quem sempre convivi. Finjo que vivo e vivo a fingir que vivo. Entendes ?

Olhou-me como sempre sem me olhar, mas estranhamento sorriu e disse-me: o entendimento tens-lo tu, o vento, o mar, a terra, a chuva e tu próprio são a tua própria razão. O teu marcado território. A tua desilusão lúcida do que é a vida, o amor, as perguntas que anseias primeiro do que as respostas. Entendes-me tu?

Pensei sossegado aquelas palavras devolvidas com o tempo. Devolvidas com o tempo. Aprendidas com o tempo e com o voo das gaivotas e o escutar do coração e do mar. 

Sim entendi. Eu. O mar. O céu e sol. 

 

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