Gosto do silêncio que a escrita tem. Adoro as vozes que me envia e a descoberta do desconhecido sentir.
Gosto do ruído, da confusão e da paz que a letras somadas às palavras me dão.
Escrever é o meu endereço postal preferencial, as minhas luzes da cidade, as ruas do meu bairro, as pessoas que desconheço, os homens conhecidos, as mulheres ausentes e a minha memória arrumada.
A noite cai, crua, cruelmente mata o dia, sem lhe conceder sequer mais um minuto de respiração, ávida e agonizante fecunda-se na pressa de nascer. Mais tarde, pela madrugada, o dia brutalmente desacorda a noite, e devagar permite-lhe a morte. Assim faz a amor à paixão, assim faz a paixão no amor.
“ … Este desassossego infindável de quem não tem um beijo como o bordado que as tuas palavras desenharam em mim. Esta induzida solidão de não estar no mundo, este meu corpo desiludido de corpos, desabusado de almas, há-de navegar um dia em paz na paixão da barca lançada ao mar... “
“ … Começo a evaporar-me mal o sol se troca com a lua. Como se profundamente estivesse a voltar de um recobro, entre dores e confusão, anestesia e vida, morfina e amor.
Começo a evaporar-se assim que a vida me toca, entre o afecto e o desamor, entre a guerra e a paixão, entre o inferno e o pensamento, entre a solidão e, o burguês e abastado estar alienado e terreno.
Começo a evaporar-me assim que começo a habituar-me a ser presença.
Concluo assim: que sou um abstémio da assiduidade …”
Não um futuro rápido. Pode ser um futuro devagar, onde nos demoremos lentamente a conversar. Um futuro vagaroso onde nos demoremos a rir. Um futuro onde vagarosamente nos demoremos a recordar um passado desfigurado de futuro.
Sempre me apeteceu profundamente o futuro e, fi-lo. Fiz o futuro. Faço-o hoje. Fi-lo em noites acordadas depois de um dia de trabalho. Fi-lo em fins-de-semana fechado e agitado. Fi-lo na minha solidão partilhada. Fi-lo nos sonhos alcançados.
Uns sonhos estão construídos e já não são sonhos. Outros são sonhos ainda, o que faz com que o futuro esteja sempre inacabado. Sem poder fazer amanhã o que somente hoje posso abarcar, continua-me a apetecer muito devagarinho o futuro, sabes?
Voltou a embaciar os olhos e a gemer baixinho, sei, como sei!...”
" ... Outra coisa que te quero dizer, alertar-te talvez, passar-te o que acredito, é que nem eu, nem tu, nem ninguém, vive com aquilo que sabe ou julga saber. Todos vivemos com o que não sabemos.
Todos sabemos muito pouco. Os que vires na vida a julgarem saber muitas coisas, são os que nada têm a acrescentar-te se não, o entendimento de que necessitas para perceberes o teu lugar no mundo, e o que ainda te falta percorrer.
Não tenhas pressa. Uma vida não te chegará, aprende devagar e com o tempo, observa a natureza, lê muito.
Serás homem de cada vez que reconheceres o pouco que sabes para além de sobreviver.
Vive-se com o que não se sabe, porque todos sabemos muito pouco.
Sim. Todos. Muito. Pouco.
És apenas tu, o mar, o vento, a serra, e o amor nalguns dias.
Entendes?
Sim. Percebo no meu silêncio que não desfalece de ruído...."
" ... e mais, continuei eu. De cada vez que ressuscita um dia em mim é como se um bando de borboletas me acariciassem e protegessem. Já não tenho direção, perco-me nesta terra que sempre conheci, neste mar onde sempre mergulhei, nesta tristeza com quem sempre convivi. Finjo que vivo e vivo a fingir que vivo. Entendes ?
Olhou-me como sempre sem me olhar, mas estranhamento sorriu e disse-me: o entendimento tens-lo tu, o vento, o mar, a terra, a chuva e tu próprio são a tua própria razão. O teu marcado território. A tua desilusão lúcida do que é a vida, o amor, as perguntas que anseias primeiro do que as respostas. Entendes-me tu?
Pensei sossegado aquelas palavras devolvidas com o tempo. Devolvidas com o tempo. Aprendidas com o tempo e com o voo das gaivotas e o escutar do coração e do mar.