Somos a mais mísera forma de amor, A forma mais afortunada de não sermos se não o querer e a quietude, Sem elaboração terrena, Na difícil realização despretensiosa, De ser apenas amor de amor.
Somos a mais mísera forma de amor, Na grandeza de um céu-aberto, Que por ser misero é abundante, Numa forma de amar cheia e abonada, De um amor cálido tão raro.
" ... este lamber de lágrimas cristalinas, ensanguentadas e desfeitas de sonho, iluminam as estrelas que as nuvens cobrem no céu, os raios e a esperança que nenhuma tempestade pode matar... "
Todos os meus dias têm em todas as noites, Maresia, nevoeiro e poesia lida à luz de um velho candeeiro, Que treme na esquina que o alberga, Com as mulheres e os segredos que detém.
Todas as noites têm em todos os meus dias, Loucura e juízo se é que ambos existem, Distância do ventre parido a da pia baptismal, Esquinas mal afamadas e as notícias de há três semanas de um amarelado jornal.
Todas os dias e todas as noites são inseparavelmente corpos sem alma e alma sem gente, Meus, de ninguém, gente só, gente sem gente, No candeeiro da esquina dos segredos quase sem vida, Resta a luz trêmula com que se faz a poesia, Restam as garrafas vazias com que se esquece o coração.
A chuva sentida no calor do meu corpo, Não me molha a alma, Não faz escorregadio o meu caminho, Amolece as minhas mãos ávidas, E enternece as folhas que piso antes do chão,
A chuva embrulha o meu dia como a felicidade cobre os momentos em que vigora, O céu deixa-se embalar pela luz de uma lua pacificada.
A chuva? Sinto-a sem que seja a chuva que a minha mãe me apresentou, Sem defesa, medo ou protecção.
Letrista, cantor, cantautor, poeta, intervencionista, sim. Escritor? Não sei.
Se der esse estatuto a quem escreve e diz com as palavras sonho e fantasia até posso entender.
Adormeci na minha adolescência muitas noites e acordei com temas fracturantes e agradeço por isso.
Vi em Vilar de Mouros já homem com a minha filha pre-adolescente (lembraste filha ?) e agradeço por isso, pela ajuda educacional.
E porquê este exercício todo à volta de Bob Dylan?
Porque gosto muito, mas por coerência intelectual, acho exagerado o prêmio Nobel da literatura na sua pessoa. Escritor e escrever é outra coisa, é mais orgânico, mais visceral, mais realidade, mais sonho, mais livros, mais vida.
Gosto de Dylan, muito e devo-lhe alguns "favores", mas ......
Este sentir maniqueísta tão perto do divino e do pagão, solta-se em mim pelos meus dedos, escrito nas palavras expressas do que sinto.
Se há dias que em mim me sinto devorado pela crença na humanidade, por um sorriso de uma criança ou uma flor no cabelo de uma mulher, outros há, em que a descrença na humanidade me invade pelos mesmo sentir: - do choro mudo de uma criança salva no mediterrâneo, ou uma flor no cabelo de uma mulher que segura nos braços uma criança salva no mediterrâneo -.
Este sentir maniqueísta tão perto do ódio e do amor, do divino e do pagão, descrença-me da humanidade e do poder do capitalismo.