O centrismo é ditatorial e impede de ver para além do mísero ego. Promove todos os conceitos que alimentam e cegam a razão por vezes sábia que, os anos, as repetições, os erros e os acertos nos dão.
Conquistar um egomaniaco é tarefa fácil mas pobre.
Há mais vida para além das certezas irrefutáveis. Há mais amor para além do amor. Mais loucura para além da loucura. Mais livros para além dos escritos. Mais poemas para além dos que gostamos. Mais gente para além da gente e, há mais pessoas para além da solidão.
Um egomaniaco é presa fácil de um "vendedor", tudo se vende a quem tudo compra, basta sublimar o "eu" do outro.
Não há busca que satisfaça a falta de lucidez da insaciável procura. É como o arrastão na praia dos capitães da areia de Jorge Amado.
Tudo se destrói na sua vulcânica passagem. Sem dó, consciência ou piedade.
Pudesse eu trocar de peito, de alma, de amor, de vida e de choro, abraçar cada madrugada sem querer saber das manhãs, de cada encontro vislumbre de encanto, de cada noite como folha branca virgem das palavras que choro, das vísceras desordenadas e das penas doridas por saciar.
Pudesse eu desencantar-me a uma ordem desobedecida de mim próprio, a um mar e à calmaria da planície, ao sôfrego querer descompassado e imundo do meu corpo, e há espera perturbada dos meus olhos, Pudesse eu querer a felicidade sem questionar o caminho desconhecido.
Quase que já não lembro o tempo, quando o tempo desistiu de mim, o tempo em que a angústia era a decisão.
Hoje, já nada decido e, a angústia já nada tem para decidir nos meus dias.
Hoje, já nem recordo o rosto daquela mulher que chorou para não partir.
Hoje, já nem recordo a escolha, o cheiro, o nevoeiro de todas as manhãs, o nascer do dia sem sol, e o sol que nascia ao meio dia, apenas recordo os meios-dias de sol e as meias-manhãs de nevoeiro, o seu rosto, já não me lembro.
Recordo a voz.
Era uma voz feita de sombra, grave, doce de silêncio.
Recordo as mãos de aconchego e o timbre amoroso como gemia o meu nome.
Quase que já não lembro o tempo, quando o tempo desistiu de mim.
Toda a humanidade sofre e se alegra com a natureza inteira, por inteiro, desfragmentada e disponível. Os homens não necessitam da tristeza que todos os homens são capazes de infligir nos homens todos. Os homens não precisam da raiva dos outros homens. Aos homens basta a generosidade da natureza, o entendimento das estações, a alquimia dos braços envoltos nas mãos que cuidam das flores, das árvores e dos rios.
Na velha rua que desço ao final de tarde anos a fio por desacerto ou ajustamento (nem sei), os homens são restos de uma juventude errante, os homens são a pouca idade na muita dor dos corpos que os albergam.
A polícia vigia a rua. Os homens têm a boca sem dentes e a alma sem esperança. Os becos têm mais vida nas horas mortas do que deus no céu designando o caminho do céu, purgatório ou inferno. Os homens desta rua já não podem ser escolhidos por deus à hora da morte, já o foram neste bairro da vida. A morte, deus, o inferno, a prisão, o purgatório, a dor, o céu, a fome, a dependência e a liberdade, vivem nos homens desta rua que desço por erro ou acerto (nem sei) da meia laranja para alcântara, com o rio e a felicidade desenhada nos painéis de Almada Negreiros, que se confundem nas almas viajantes do tempo inadequado pela mágoa.
O tempo, a mágoa, o ego. O céu, o vento e a mágoa. A mágoa resistente e sem antídoto. A mágoa que volta mesmo quando parte. O céu que fica. O vento que sofre. O ego que é a mágoa devorada pelo vento, e a vida da mágoa que fica mesmo quando parte. A mágoa é maior do que o tempo, o ego, o céu e o vento.
Toda a humanidade sofre e se alegra com a natureza inteira, por inteiro, desfragmentada e disponível.