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Cardilium

Cardilium

na vida dos jantares de sábado ou outro dia qualquer

O dinheiro não interessa nas horas que voam nos nossos jantares,

nem os carros,

ou as casas,

interessa-nos o amor de vinte anos,

de trazer o mundo que não habitamos,

para o sábado do nosso mundo,

e aí nos despimos e somos,

e as horas não são tempo,

e somos vida na amizade que nos acompanha,

afinal o que importa não é vida que fingimos,

os negócios ou os cargos que ocupamos,

importa-nos somente estar desabotoados,

sem modos ou linguagem adequada,

e sermos nós,

na vida dos jantares de sábado ou outro dia qualquer.

Poema a uma empregada desconhecida da 5àsec

Poema a uma empregada desconhecida da 5àsec

 

Ainda a passear o ferro pela roupa perfumada?

Ainda a cuidar do que me vai cobrir a pele?

 

Ainda que não saibas a quem essa roupa pertence,

e o tamanho do ser de quem é propriedade,

é nessa vontade de passear o ferro,

que engomas a minha roupa perfumada,

e depositas por lá a tua alma.

 

obrigado.

silaba por silaba

Silaba por silaba falei-te da minha intuição,

do que nem deus sabe acerca de mim,

do meu visceral sentir.

 

Mostrei-te a minha razão e sensibilidade,

tudo o que se dilui em mim,

a esperança,

a confidência,

o corpo.

 

Tudo te disse num sussurrado murmúrio,

num grito roufenho desesperado,

demonstrei-te na constelação das estrelas que caíam,

no ultimo raio de sol,

na lua azul do mar moreno, na madrugada e no amanhecer.

 

Nada foi suficiente, mesmo declamando silaba por silaba.

prisão pensada

Prisão pensada,

adivinhada antes mesmo do sol raiar,

o vento emudeceu,

os meus pés já gastos do caminho,

cederam à solidão,

de estar sozinho entre gente,

prisão muda,

sem grades que me possam segurar,

mais preso sou, livre,

do que nesta prisão pensada.

O corpo de uma mulher tem palavras

A solidão é o argumento de espedaçar a ausência. Separa-me da minha última visita o tempo entre estar, e ficar. As minhas palavras são cada vez menos pronunciadas. Os assuntos são escassos e, nesta demoníaca e percepcionada vontade de conversar com alguém, o desejo de não o fazer sobrevive ao desperdício do tempo.

 

Afinal é comigo que tenho assunto e palavras.

 

No corpo de uma mulher encontro somente silêncio.

Sem palavras, o corpo de uma mulher, não é o corpo de uma mulher.

O corpo de uma mulher tem palavras.

Feliz errante

Feliz quem pensa no recato de si mesmo. Quem se informa. Quem procura. Quem não se vende. Quem não se entrega. Quem pode estar consigo. Quem consegue. Quem sobrevive. Quem sobreviveu. Quem pode ainda aprender.

 

Ao invés:

Coitado de quem não tem paz no recato de si mesmo. Quem não se informa. Quem não procura. Quem se vende. Quem se entrega. Quem não pode estar consigo. Quem não consegue. Quem não sobrevive. Quem não sobreviveu. Quem já não tem lugar para aprender.

 

Feliz de quem tem uma história errante…

Desafortunado de quem tem uma história sem estórias…

O mar cheio de flores veio despedir-se no dia certo

 

O mar cheio de flores veio despedir-se no dia certo. O sal evapora nos meus olhos a cada vaga de despedida. Olho a terra. Decido as cinzas. Ficará a música que celebre a liberdade.

 

É nos versos do “meu menino é de oiro” que me quero despedir, e como num “sonho acordado”, dizer-te: “meu amor quando eu morrer veste a mais garrida saia, que eu vou morrer no mar alto e eu quero-te ver na praia”

 

O mar cheio de flores despediu-se no dia certo.

O túnel improvável da diferença

Foi noite todo o dia,

Enegrecida a minh´alma esteve,

Sem luz foi o dia inteiro,

Recordação de um sorriso que foi choro em todas as horas,

Na lembrança que sempre será mesmo que ausente,

Presença viva despertencente.

 

Foi noite todo o dia,

Sem saber-te,

Sem o entendimento de entender,

A noite que foi plena em todo o dia,

O brilho, a ausência,

O túnel improvável da diferença.

A relatividade das acções

Os grandes feitos da maldade serão pequenos se a mim não me servirem, e o meu número não é universal, e o meu passado não é vertical, e o futuro não o será igualmente, porque carrego humanidade em mim, porque peso tudo o que trouxe para esta viagem, que terminará quando eu não quiser, ou quando eu mesmo achar que deve terminar. A relatividade das acções é a mera cobardia das decisões.

 

Este país repugna-me … por amor

Este país ensanguentado que padece de fobia compulsiva repugna-me,

Repugna-me o excesso de futuro, a falta de presente, o esquecimento do passado,

Este país que tem mar, sol, planície e a saudade para abraçar,

Este país cheio de gente, sem pessoas,

Este país ditador do sangue que nos corre nas veias,

Este país carregado de desamor, entretendo a sua história com o presente envenenado,

Repugna-me este país sem mareantes, Alentejo e povo,

Este país repugna-me … por amor.

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