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Cardilium

Cardilium

As minhas “coisas” são as minhas “coisas”

Preciso de ouvir este ruidoso silêncio que estala no meu cérebro,
de escutar o vento e entender a mensagem.

 

Preciso de deixar embaciar os meus olhos,
de subir à montanha e regressar.

 

Ressaco de mim como se eu fosse a minha própria droga,
como se tudo em mim fossem insignificâncias.

 

Tenho saudades minhas.
- As minhas “coisas” são as minhas “coisas”, não são banalidades, são importantes, são a minha forma de sentir -

Assimetria dos sentires.

Desordenados sentires de loucas vontades desmedidas, desconexas de entendimento, desarticuladas e por verificar. São como o norte e o sul, a primavera e o outono, a presença e a solidão, a inadequação e a confortabilidade. 

- Tudo o que experimento não cabe dentro de mim.

 

É como se as árvores da floresta não se conhecessem umas às outras, e as ondas do mar fossem desprendidas delas mesmas, e o cheiro a pinho se soltasse da madrugada, e a madrugada cheirasse a giesta, e o mar tivesse luar, e o luar marés.
- Tudo o que sinto se avassala dentro de mim.

 

Esta assimetria de sentir não é ajustável na minha essência. A minha essência é desajustada a uma dissemelhança desarticulada que só sente, que não entende tudo o que a sustenta.

 

Assimétrica está esta manhã, onde o sol já se põe e a lua está a nascer nesta desigualdade de sentires.
- Tudo o que experimento e sinto é: a assimetria dos sentires.

Vive-se

Vive-se nas rotinas dos horários das nossas "desnecessidades" como convém,
E na vontade alheia que impõe, castra e detém.

 

Vive-se na aglomerada urbe a que se chama cidade e afins,
E onde desabitados estão os jardins.

 

Vive-se numa desenfreada correria animalesca,
Onde tudo é bom e, tudo se dispensa.

 

Vive-se só para gastar a vida,
Sem tempo de abraços, - vida "desvivida"-.

 

Vive-se sem se viver,
Vive-se para morrer.

 

Vivo sem amar a noite e a lua,
Vivo sem beijar a pele que é tua.

Desejar que o sonho que plantámos, amadureça

Eu gostava de deixar-te a lua à cabeceira,
Esta inconformada decisão escondida na gaveta do móvel de entrada,
E que nos teus lençóis permanecesse a luz com que te amei,
E o desejo com que te quero amar,
Eu gostava de não ter que me esconder para chorar,
E se me escondo e não me mostro,
É somente porque não quero que as minhas lágrimas entristeçam nas tuas.

O mais fácil é:
- Desejar que o sonho que plantámos, amadureça -

Sorte

A sorte não se desenha a lápis de carvão,
A sorte é colorida e não pode ser desenhada,
A sorte é construída, não desejada.

 

A sorte não é arquitectada,
A sorte não é esboçada,
E se o fosse, seria a lápis de cor.

 

A sorte e a morte são de todas as cores - (como o arco-íris de Novembro),
Como o mar estonteado num tormento,
Como a planície e o monte escrito com o vento.

 

A sorte e o mar,
O vento e o montanha,
São como a lua desenhada na mãe esperançada do que lhe vai no ventre.

 

Abril depois matou a sorte,
E a sorte passou a ser morte,
E existe somente, sobreviver.

dois acordes

Há horas tão lentas que moem mais do que a saudade,

Horas de dias intermináveis,

Horas de noites incompletas,

Horas mais densas que as arvores na floresta,

E as gargalhadas da lua entre as nuvens como que abençoando o momento.

 

Há horas vociferadas pelos deuses e pela razão,

Horas sem nada completas de presença,

Horas abastadas de solidão mais claras que as manhãs de verão,

Horas desorganizadas como o silencio da minha garganta,

Já não consigo sequer juntar dois acordes, mesmo menores.

 

 

Frágil e poderoso

Escrever é o acto de preenchimento de mim próprio nas palavras que não necessitam de diálogo ou resposta. É extorquir de mim mesmo o que sinto sem a necessidade de entendimento de outrem, porque na verdade existem sentires que as palavras não adequam.

 

Escrever oferece-me a possibilidade inigualável de exprimir o que sinto sem o retorno esperado ou explicado, do mar que me habita alvoraçado. Existe apenas uma alma e, essa alma é una, com a remota possibilidade de ser espelhada numa outra. Uma vida pode não ser suficiente para tal encontro.

 

Cada dia aglomerado de mim próprio faz com que essa possibilidade seja uma necessidade, uma vontade, ou tão e somente a aceitação de mim mesmo como a minha melhor companhia e liberdade.

 

Os filhos são outra dádiva do sentir. Por isso existem filhos. Por isso existem pais. Os pais sentem os filhos pela simplicidade de um olhar ou tom de voz. Os filhos estão no seu caminho reconhecendo nas mãos dos pais, os abraços.

 

Frágil e poderoso.

Sou cheio de desconhecido!

Parece-me evidente que a loucura e a sanidade são meros conceitos e mitos, dogmas impossíveis de quantificar ou qualificar, tão cheio é o ser humano de desconhecido.

 

É no desconhecido que me sinto a habitar, no mais profundo desconhecimento de mim mesmo, na dura descoberta de não me reconhecer ou entender.

 

Sou cheio de desconhecido!

eu, ela, nós, juntos

Eu: coberto de maresia desprovido de conceitos como se não existe mais mundo

 

Ela: agua, flores, oceanos de rios, enxurrada, luz e perfume.

 

Juntos: pisámos a terra virgem e desbravámos as acácias por florir, na inexistência da razão e no agudo sentir impensado.

 

Nós: juntamos as lágrimas com as mãos, os dedos com os cabelos, as bocas com a boca, e esperámos sem tempo o amanhecer bravo do coração.

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