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Cardilium

Cardilium

Crentes, ateus, sol, vento e sonho

Deposito tudo nos sonhos que mantenho,
Sabendo que o vento não deixará de existir,
Bem como deus para os crentes,
E o sol para os ateus,
Ambos se continuarão a abraçar,...
Nas partículas de sonho que acalentam,
Crentes, ateus, sol, vento e sonho.

Estar sozinho é um dom?

Estar sozinho é um dom?

Estar sozinho no meio de gente num burburinho alucinante, deixar de ver e ouvir, é demência?

 

O amor não se conjuga. Ou se pratica porque é, ou não se solicita que o seja.

O amor é justo. É o retorno do que se dá. Se não se sente, ele não mente. No mais intimo pensamento a verdade vigora. O amor não se escolhe. Se assim for ele descobre. No amor é-se escolhido.

 

O amor nunca será as palavras dos outros ou os pensamentos dos poetas, isso é uma coisa diferente, é apreciar o belo que não é nosso, porque o nosso, escondemos no agradável que é estar só, a fingir que se está ausente.

 

Quem ama sabe dizê-lo,

Saber “ter-me” dar-me-á um dia, saber “ser-me”.

Sinto-me chão

Sinto-me chão quando me dizem louco,

Sinto-me planície quando me dizem torto,

Sinto-me regresso quando me sinto povo.

 

Povo feito de gente,

Peito que sinto ardente,

Sinto-mo louco não demente.

 

Nas farpas que o meu sangue jorra,

Constituído desentendimento,

Complexo e amargurado põe-se o sol lá no poente.

 

Deambulo na hipocrisia,

Das verdades como um todo,

Recato-me nesta ironia de muito mais sóbrio que louco.

Um poeta tem nas mãos dedos de sentir

Um poeta tem nas mãos dedos de sentir,
Um olhar cheio do que vê e um vazio olhado em que o observa.

Tem palavras simples de indecifráveis sentires,
Tem na alma a presença da distância e presente a distância de um olhar.

...

Um poeta é mais que um mundo que nem se sabe existir,
Um poeta habita uma miserável fonte que jorra sede que a água não cala.
Um poeta desassossega o silêncio.

Inolvidável tem dentro de si a morte e a vida, o amor e o desamor e da sua compreensão, faz a sua dor.

Um poeta sabe que nenhum dia será estrelado como as noites acordadas de si mesmo e que nenhuma manhã terá a normalidade dos dias “baptizados de bons”.

Um poeta tem uma alma revolta que sente na solidão presença e nas madrugadas, abrigo.

Assimetria do real

A vida ao contrário é a assimetria do real. Nem sempre nem nunca, nem nada nem tudo.

Todos os desígnios vão para além da vontade. As escolhas não são sempre escolhas. O que nos vem é nosso, o que se nos escapa entre os dedos não o é, nunca o foi. Não seria o mesmo homem sem Kafka na minha vida.

Toda esta ensanguentada existência já foi sarada e, na reserva que faço em mim, nada me garante que a morte que carrego no peito não seja a vida partida, mantendo-me vivo nela, mas m...orto como a lua quando não brilha.

O que me faz chorar são os dias em que não chorei.
O que me faz amar são os dias em que não amei.

Pedra ilhada

Pedra ilhada que só o mar abraça,
Pedra ilhada que o mar envolve sem maré,
Pedra ilhada sem sal, maresia ou solidão.

Na floresta os lobos uivam solitários,...
Duvidosos da validade da travessia,
Solta-se da sua boca um silvo de agonia que escurece com o entardecer.

Pedra ilhada que vejo sem se ver.

As chagas que lambes e não curas

Sou a chaga que lambes e curas,

Apreendi aí ser infeliz.

 

Aprendo agora em fragmentos de felicidade,

Que são e não são

Que estão e não estão,

Que ficam e que vão.

 

Deixo-me comover,

Nas chagas que lambes e não curas.

Sobram pétalas

Sobram pétalas,

Falta-me peito,

Falta quem me abrace.

 

Falta quem me diga que o céu também escurece,

Que o abrigo tem um recanto,

E que a fugidia coutada amanhece a cada sopro de pronuncio da manhã.

 

Falta quem me lembre cada madrugada em que já não lembro a vida,

Porque a morte tem um tempo,

E o tempo tem os dias que sobram das perfumadas pétalas.

Palavras por ver o sol um dia XI

Como pode o início ser tão distante, desconhecido, enigmático e intenso?

 

O perfume que ficava quando passavas adormecia e acordava com a minha saudade. Saudade desconhecida do verdadeiro sabor da saudade. Saudade desentendida da verdadeira dor da saudade. A saudade mesmo estranhada não deixa nunca de ser saudade magoada.

 

Não sabia sequer o teu nome, de onde eras, onde te encontrar. Esperava por ti até não aguentar o meu coração desordenado e, quando te via, fingia não te ver, e voltava tudo ao mesmo. Saudade, saudade, saudade.

 

Num dia que não existiu beijei-te. A saudade atracou. Agora já sei o seu nome. Chama-se enleio e não tem época para florir, existe antecipada ao amor.

Mâes

Aos vinte anos sabia muita coisa e tinha bastantes certezas. Há medida que fui subindo a íngreme escarpa das estações, fui perdendo sapiência e perdendo certezas por aí. Hoje sei que ainda me falta muito por saber, hoje tenho bastantes certezas nas dúvidas que me conservam.

 

Certo de que a dúvida me retorna à essência humana,

duvido da terra que lavrei um dia e da esperança semeada em torrões desfeitos,

fragmentos grossos de terra boa plantada em mim.

 

Os dias não avisam quando nascem e as horas são pródigas de desencanto,

nas searas da minha infância o sol assentou sempre,

mesmo sem a minha presença.

 

As mulheres que mais observaram são as que mais sabem,

sabem dar vida aos filhos,

sabem dar vida à vida.

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