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Cardilium

Cardilium

As palavras imagens

Ponho em cada palavra um tempo,

uma pausa,

um brilho,

um intervalo,

uma demora,

uma época,

e um momento.

 

Oiço nas palavras o som com que as escrevi,

a paisagem que senti,

e a distancia delas até mim.

 

As palavras são as minhas imagens cristalizadas.

- Abril partiu -.

 

Abriu-se Abril como um filho numa madrugada perfumada,

Fechei a sepultura, a dor e o medo,

Cantei uma canção ignorada,

E um poema silenciado,

E acreditei.

 

Acreditei num sonho distante de Maio,

E entendi o voo desordenado das gaivotas.

 

Depois, Abril ficou,

Depois, Abril regressou,

Depois ...                              

 

- Abril partiu -.

As pedras encantam-se umas pelas outras

Aqui onde os deuses se reúnem,

As pedras encantam-se umas pelas outras.

 

Todas as bocas têm pão,

E no chão regado de desejo,

Todos os peitos têm peito,

Todos os filhos têm mãe,

E nas tardes embravecidas de Abril existem homens,

E sonhos da liberdade que quase findou.

 

Aqui onde se reúnem os deuses ainda é Abril,

E até as pedras se encantam umas pelas outras.

Insubmisso

Insubmisso,

Roufenho,

Em surdina mais do que em silencio,

Abafo o grito,

Apresento o pranto,

Lágrimas secas,

Bebidas de um trago,

Disfarçado riso,

Na pele presente.

Palavras por ver o sol um dia_XIX

… Depois, a terra ficou vermelha e o mar rubro, rubro de um vermelho tão encarnado que deixou de se ver o sol. O céu estonteou e os bandos de pássaros ficaram desnorteados. Sem norte. Sem rumo.

 

Na eira escondida da encosta a terra como que sangrava pedindo chuva que a não escutava. Tinham decidido as nuvens punir aquele pedaço de gente, de um mal qualquer que não adivinhavam. Depois da tempestade de há três noites anteriores que o inferno tinha tomada a aldeia. Somente as crianças não sentiam a mudança, somente as crianças continuavam a sua vida sem alguma alteração. O padre defendia ser castigo divino, o coveiro defendia que os mortos tinham desaparecido, e as crianças não entendiam o que todos desentendiam, afinal tudo estava igual para eles, tudo estava diferente para todos.

 

O céu carregou-se de chuva e as nuvens inundaram a eira, o adro, a rua de cima e a rua de baixo. Choveu mais dias do que noites. O cansaço adormeceu a aldeia. Quando o sol empurrou as janelas de todas as casas e todas as pessoas regressaram à aldeia, o mar voltou a ser celeste, o céu voltou a albergar os pássaros e, na eira, a terra já não sangrava.

 

Aconteceram duas existências numa vida. Foi um delírio azul e colectivo, duas existências na mesma vida…”

Noite sem tarde

O mar acalmado desceu e ficou mais longe. Pareceu-me ter mais areia e menos mar. Pareceu-me cansado de mais um dia.

 

De face serena enquanto o sol o possuía escondeu-se alaranjando a tarde, enegrecendo a noite de luz.

 

Senti-me abraçado como em criança, quando o sono me retirava ao dia e a noite não detinha tempo.

Removo da terra odores

Removo da terra os odores que as margaridas lilases vertem junto ao mar. Odores que deixo na cama onde me rebolo e construo nesta simbiose de ser.

 

Na madrugada quente a lua arredonda-se e ilumina-me os passos. Não existe outro sentir que não este o que sinto. Não existem mais nenhumas palavras nem outra forma de adormecer, ou outra maneira de acordar. O mar todo de prata enche a lua toda de luz, e toda a luz e toda a prata não são suficientes para me entristecer nestes dias ...em que me alinho.

 

Junto-me com os deuses a estes instantes oferecidos de tanto, a todos estes instantes carregados de nada. O nada e o tudo, o tanto e a lua, o mar e a tua boca soltam beijos, palavras e sorrisos que me iluminam como o que se me dispõe da natureza.

 

Não encontro nem o destino nem a glória de o saber.

Revolta dos sentidos

E na revolta dos sentidos embriaguei-me de lucidez. Refleti sobre os azuis. Sobre os diferentes azuis, onde o mar abraçado ao céu esperou pela lua. Quando me invadiu o ultimo luar que rasgou o nevoeiro, entendi o tamanho da minha existência e a dimensão menor do que sou construído.

 

Ali, sentado, voltei a sentir.