Salgar
se não me recordo já nem da tua cara,
é porque as lágrimas foram verdadeiras,
e fizeram o seu propósito,
salgaram-me a mente,
lavaram-me a alma,
e já não tenho mais respostas,
nem perguntas por duvidar.
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se não me recordo já nem da tua cara,
é porque as lágrimas foram verdadeiras,
e fizeram o seu propósito,
salgaram-me a mente,
lavaram-me a alma,
e já não tenho mais respostas,
nem perguntas por duvidar.
Mística aquela paisagem enfeitada de choupos,
Enfeitiçada por aquela mulher morena e esguia,
Esquiva no olhar,
Altiva e doce,
Distante e quente,
Forte e suave,
Trémula e segura.
O mar e o deserto,
A seca e o dilúvio,
Souberam-me a corpo na minha boca,
Há quanto tempo não me sabia a corpo,
Corpo agro,
Estorcido num inicio de espasmo que nunca o é,
Contorcido.
Os corpos prometem-se anunciados,
Adiam-se,
Realizam-se,
É este início de loucura que me seduz e repele,
Passeio-me na recordação fundida,
Vivi dentro dos olhares dos olhos que me viram e olharam,
Vivo dentro dos olhos semicerrados.
As noites nas colinas sabem-me melhor,
Acordar de janelas entreabertas,
E deixar a sofreguidão da manhã invadir-me,
Sabe-me melhor na inexistência de pessoas,
Junto à existência das colinas.
Refugio-me em cinco noites,
Mãe de cinco madrugadas,
Que me abraçam,
Nos acordes do horizonte,
Mais o crepúsculo do mar.
As planícies revoltam-se com a minha ausência,
O arco-íris chora nos meus olhos,
O vento traz-me o cheiro lilás das uvas amadurecidas,
Da colina vejo o rio que parece calmo,
Em mim contemplo o privilégio de pertença.
Aquele pedaço de mar em redor da terra?
Ou aquele bocado de terra no meio do mar?
Igual!
Aos dois peço exílio,
Que da minha terra sou,
Desterrado,
Deportado,
Expatriado,
Aos dois o peço como aos deuses,
Que me deixe ali terminar,
As árvores que tenho por criar,
Os livros que por sossego,
Quero findar.
Vejo turvas todas faces,
Até as mais sorridentes,
Vejo escuras as manhãs claras,
E não reconheço lágrimas confidentes.
Sonho com um pedaço de terra,
Envolto pelo luar,
Enfeitiçado pelo mar.
Entra as serras geme o Douro,
Em cada escarpa encantada,
Rompe forte e invernoso,
Adocicando a terra,
Semeada de videiras.
Na lezíria espreguiça-se o Tejo,
Em seu leito verdejante,
Fica além depois em riba,
Ainda de castelhano sotaque,
Descansado nas suas margens.
E dentro de mim rebentam,
Ambos rios em inquietação,
Nascendo nas mesmas estações,
Invernosas e solarengas,
Salgueiros adocicados confidentes dos amantes.
Serpenteiam-me os restos de raios de sol de fim de tarde que me aguçam o sonho e me despertam uma vontade líbida de corpo.
Retorno ao breve Outubro que findou.
Espraio-me na montanha abraçada de mar e nas palavras anunciadas do começo.
Paraliso o pensamento e a respiração como forma de ficar presente no tempo.
Perpétuo o dia como o momento, despreocupado, sem passado nem futuro.
A norte, as nuvens passam mais rápidas e soltas do que a sul.
A morte e vida conversam com a mesma normalidade com que parei o tempo.
Bebo os últimos raios de sol que já vêm do horizonte no mar.
Parto para outra cidade onde sei que chove, vou misturar-me nela e saciar-me.
nem a face,
nem o olhar,
nem o sorriso,
nem nada,
nem tudo,
nem a almejada vontade,
de não ter vontade,
se tornou realidade,
foi sacudida como pó de um parapeito.
E eu? E eu!… Aqui, jazo vivo!
Não se descobre um rio a partir da foz. Não se descobre um ser contra a corrente. Ambos se descobrem a partir da nascente do entendimento. É mais fácil. Menos inquietante e a oportunidade de descobrirmos o outro através de nós próprios, enquanto seres emocionais, políticos, e de avultada necessidade emocional.
Queria ver onde começa o mundo,
Despi-me, tal qual como a ele acedi.
Vesti-me, tal qual como dele me despedi.
Na viagem mergulhei no que aprendi ser a vida.
A descoberta.
Uma descoberta cruel de despedidas,
De desamores,
De palavras desditas,
E de metamorfoses de emoções doridas e socorridas.
Queria saber onde começa o mundo,
Caminhei.
Nos passos que dei, pertenceram-me noites e madrugadas de acesas fogueiras e poemas à desgarrada,
Pertenceram-me homens e mulheres soprados pela chuva e molhados pelo vento,
Despertenceu-me o entendimento e a ganância,
Os rostos lilases de um continente de olhos grandes, negros e vivos, e a fome.
Na promessa de entendimento de gentes e lugares, de paz e sabedoria,
Na ânsia de saber onde pertence o céu carregado de nuvens e movimento, castrei-me.
Castrei-me na abundância de me saber no mundo,
E na esperança de o mundo me saber aqui.
Passeio-me nas margens onde não te encontro sabedor do desencontro,
dilato os vasos sanguíneos,
troco o ar respirável pelo irrespirável,
sinto as artérias na barriga,
descompenso,
esquiziofrenizo.
Desnascer será viver?