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Cardilium

Cardilium

Sou desajeitado para viver

 

Sou desajeitado para viver, mas a simplicidade é mais do que sobra para estar vivo. Com meia dúzia de paisagens, acordes, cheiros, comida do antigamente, uns abraços e uns amigos e, sinto-me bem, por vezes até feliz.

 

Sou desajeitado para viver, é-me difícil olhar nos olhos de quem não empatizo. É-me difícil dizer sim, ou não, mediante a escuta da minha intuição. É-me difícil estar sem ser. É-me difícil ser e não estar. É-me difícil viver desajeitado no meio de gente com tanto jeito.

 

É-me fácil estar, ser e ter jeito, com quem é desajeitado como eu para viver.

A destruição definitiva do romance está hospedada na razão do sentimento

A destruição definitiva do romance está hospedada na razão do sentimento,

Coincide com as histórias por contar.

 

O romance é a fase interna,

Interior,

E aguda dele mesmo.

 

O romance é a anti-vulgarização do gostar,

É curto,

É do tamanho do minuto seguinte,

Por tempo indeterminado.

 

O romance tem um princípio e um fim indecidido,

Apenas faz parte dele ilimitadamente o próprio.

 

Os romances são oferta,

São bastantes letras juntas,

Com palavras ou não,

E parágrafos carregados,

De natureza em elementos.

 

Os romances são lágrimas,

Sorrisos,

E medo abundante de medo.

 

Os romances são best-sellers emocionais,

Vida revisionada,

Vertente rasgada e verdade,

Passado e futuro,

É o presente sem exclusão de ninguém

Mãe de madrugada

Os teus dedos percorrem-me como se adivinhasses,

a minha vontade, a nossa vontade.

 

Os teus dedos sabedores de mim,

encontram na minha boca, os teus beijos.

 

O teu cabelo,

cachos de ouro,

percorro perfumado,

no teu peito.

 

Sinto-te em tremor no meu tremor.

Sinto-te em mim e desejo um mundo parado nesse momento.

 

Um mundo perfeito e louco,

construído por nós pelas nossa almas,

em uníssono desvario.

 

A nossa voz e timbre decai no orgasmo conjunto,

e no sono justo em que nos unimos,

serenos na noite.

 

O rio é nossa testemunha, mais a lua e os choupos que dançam ao vento,

estrela selvagem e doce,

sorriso meu arrancado do meu peito.

 

Desejo de te ter e ficar, madrugada d´alva.

 

Tantos ventos por habitar

O meu coração consegue ouvir as tuas lágrimas a cair,

As minhas mãos trémulas o teu pranto,

Sem resposta ou crença de que seria justo amar-te,

Com recompensa aprazada,

E o fogo por apagar.

 

Consigo sentir-te,

Sem que saibas que te sinto,

Não consigo amar-te injustamente,

Eu já tão perto do fim,

Tu com tantos ventos por habitar.

De cada vez que o universo me toca arrepio-me

De cada vez que o universo me toca arrepio-me. Sempre assim foi. Sempre se me encheram os olhos de água com a beleza do universo. É como se não coubesse em mim. É como se transbordasse em mim pelos olhos. É tanto, que julgo que mais ninguém repara no que eu aprecio. Pode ser o vento a soprar nos choupos. A folha de outono em passadeira silenciosa e húmida, forrando o chão que os meus pés pisam a sentir o caminho protegido.

 

Pode ser o mar que quase consigo perceber as palavras que me oferece. Pode ser um arco iris plantado no fundo de uma planície esbracejando para mim. Pode ser um rio sufocado na curva e contra curva que tem que fazer atá à foz onde desagua e, finalmente, se dá ao oceano.

 

Sempre as palavras me chegaram em todas os romperes de dia. Tudo sempre se me cristalizou nos finais da aurora. Os dias e as noites, eu, e os meus amores. Não existem pessoas que me distraiam do universo e do que sinto, nem sei mesmo se queria que existissem.

 

Quando existirem, morrerei.

Quando existirem viverei já sofrido e cheio de universo disposto a tocá-lo sempre, com arrepio.

 

Sou semente misturada na terra regada com a chuva de Maio

As lágrimas que caem do céu são boas para as entranhas da terra, misturam as sementes que faz o pão e os amigos.

A chuva faz-me bem. Faz-me pensar. Enrolado no meu sítio fico atolado de pensamentos. Penso em mim. Penso na minha infância e nas tempestades só minhas. Penso no cheiro das torradas de domingo à tarde. Penso nos primeiros acordes que dedilhei. No amor que ganhei à música. Nos meus primeiros gostares. Nas minhas primeiras mentiras e desilusões. Na raiva lenta e maligna que comecei a sentir. Na inadequação silenciosa. No medo mascarado de fortaleza.

Hibernei.

Vivi mais de uma mão cheia de anos sem me lembrar, ou querer sequer recordar. Recordo somente os cheiros e as sombras, e o meu desamor em plenitude. Não me lembro de dez anos ou mais. Não me lembro de ontem ou de anteontem. Sei que estive em Marraquexe, Amesterdão e Lisboa. Sei que fui à praia em noites cerradas de breu. Sei que tive sexo com sombras, bebi e fumei. Dormi ao relento, viajei sem dormir e caminhei adormecido. Chorei para a lua e sorri para o sol. Chorei por dentro. Fui preso e solto. Dormi num degrau. Ainda me sinto preso … à liberdade. O estar é discutível, mas é meu.

 

Sou semente misturada na terra regada com a chuva de Maio.

Sou Setembro, pôr-do-sol, regresso, passado e futuro.,

Sou mudança, pai, filho e alma,

Sou solidão, companhia e esperança,

Sou o que sou, pelo que fui,

Sou medo e fé, desamor e amor,

Sou insubordinado e respeitoso, recordação e lembrança,

Sou duro e meigo, uma besta e bestial,

Sou poesia nas noites e prosa nos dias,

Sou de ser.

 

No maremoto dei à costa e salvei-me. O mar devolveu-me à terra. Não deixei de saber nadar. Aprendi a andar no tempo da chuva.

O caminho para o amor não tem itinerário

O caminho para o amor não tem itinerário.

Para o desamor já não é assim tão linear. Há sempre uns incidentes pelo caminho. E não são mentiras ou coincidências.

Normalmente o caminho para o desamor tem muitas verdades, episódios reais, substrato, recomeços e promessas. Tem muitas promessas, algumas mudanças, fossos e barreiras, e tem fundamentalmente o tempo que se esgota e fere a emocionalidade, o que torna impraticável o amor, é assim, de uma forma abreviada, o caminho para o desamor.

 

Anteriormente o amor tinha sido apenas uma avalanche que não se edificou.

Sabe de mim quem lê os meus versos

Depois de tanta vida ainda me sinto nascido e por nascer,

Após todas estas horas quentes ainda espero pelo inferno,

Ainda sem me sentir nascido nas horas quentes pernoitadas,

Não sei o que é o céu,

Conheço algumas horas de paz,

Várias faces de bem-querer,

E inúmeras escolhas resolvidas,

Sabe de mim quem lê os meus versos,

Sei de alguém quando saboreio um olhar,

E neste aglomerado de rios desaguados em mim,

Ainda me sinto nascido e por nascer.

Maré, maremoto ou vulcão

Podia citar Agustina, Florbela ou Pessoa,

A tabacaria ou a Ofélia mais sofredora,

Os poemas construídos pela dor, raiva e pelo medo,

Ao meu passado presença de futuro,

Às fobias ou paranóias,

Ou simplesmente a nada.

 

Podia fingir ser maré, maremoto ou vulcão,

Passarola voadora como Gedeão,

E se nenhum deles me inspirasse,

E se de nenhum deles falasse,

Não faria das palavras deles,

O meu sentir delirante.

 

A imperfeição conseguida fica mais perto do coração.

 

Sempre foi o sonho a comandar

No inicio apenas um sopro, o perfume e a pele,

Depois as palavras e o sorriso.

 

Num outro dia um acerto de um pensamento,

Mais adiante o milagre de parar o tempo.

 

Depois a vontade que se instalou,

E as duas vozes fundidas numa só.

 

E sempre foi o sonho a comandar,

O desejo de ficar.

 

E sempre foi um sopro, o perfume e a pele.

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