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Cardilium

Cardilium

Sobrevivente

Envelheço ou sobrevivo,

ou sobrevivi antes para envelhecer?

 

Conceito baralhado este que o envelhecimento vive longe,

sem se saber que o longe habita tão perto.

 

Falei com mulheres que depositavam flores no cabelo,

com velhos anciãos habitado pelo mar,

e ambos me souberam ensinar,

que se sobrevive antes de envelhecer,

para se envelhecer sobrevivente.

 

Bebi vinho e resisti em quartos vazios,

escutei rugas na face do tempo marcadas,

li poetas vencidos,

em noites de quartos de lua,

sobrevivente, venci.

Ai

“Se as ideias insubordinadas se transformassem em diabólicas palavras, já tinha rasurado o meu nome e transformado esta vida, num paraíso inexistente e sonhado”.

 

Leio nos olhos do psicólogo a incredulidade da minha verdade, é como se ele próprio tivesse regressado a um compêndio ausente, tal a bravura em si dos meus pensamentos.

 

Leio-lhe na postura hirta e forçada, a rigidez facial de um sorriso esforçado de entendimento, que lhe peço o meu honorário e saio.

 

Como paciente levo mais em conta, só que resulta, ele está muito mais solto e esperançado.  

 

É o mundo a mudar mundo, que muda o mundo.

 

Rio reflectido

O rio embala as árvores reflectidas sossegadamente sobre a noite,

este silêncio é uma avalanche de sons que me acalma,

aqui,

na margem,

e à margem,

fico à espreita que mais estrelas cadentes dourem o firmamento,

que mais lábios de silêncio,

me entreguem o céu.

 

Já é madrugada,

madrugada feita de delírio e loucura insaciada,

tenho que partir, e, não penso em nascer outra vez.

Sem noção

Não tinha a noção do quanto cabe numa vida,

Não tinha a noção do quanto cabe num coração,

Não tinha a noção do quanto alberga um abraço,

Não tinha a noção de que a vida toda cabe na palma da mão.

 

Soube isto numa madrugada revisitada de amigos,

No tempo imóvel da cumplicidade,

Da historia que urge no património,

E de sentir o tempo desconstruído sem idade.

Pai

Existem homens faróis.

 

O meu pai é um deles. Homem sábio de vida, sábio de uma sabedoria não académica, uma sabedoria de noites acordadas, de compromisso com a igualdade, quase uma sindicância familiar. Homem cheio de homem. Homem erigido com lágrima, partilha, numa infância sem liberdade, de metalúrgicos, camponeses e vidreiros. Homem amansado por uma liberdade conquistada e a glória de poder dar ao filho, uma vida somente conhecida nos seus sonhos de menino.

 

Existem homens faróis. Homens cheios de homem!

 

O meu pai é um deles e tem luz, vaidade, lua, beleza, céu, amor e luar, no olhar!

Saudade da existência da ausência

Transfiguram-se as faces na ausência,

 

Por vezes quero recordar-me de expressões,

Faço força, muita força e não consigo de um forma nítida recordar-me,

 

Recordo as sílabas, os cheiros, os lugares, os prantos e os rires, o toque, a sabedoria e as imagens enevoadas, mas não vislumbro a expressão,

A ausência deixa-me vontade de estar,

A ausência é um mar com vagas enormes de saudade,

O reencontro das almas far-se-á nem que seja na saudade da existência da ausência,

 

“Olá tudo bem, estou aqui e pensei em ti, apesar de não nos vermos há muito tempo estamos juntos”, isto é grande!

 

Enorme, esta ausência de saudade saudada.

 

Noite negra, noite seca

Noite negra de desejos aprazados,

Onde a lua se baloiça fascinante,

Desloca na luz o brilho e o percurso,

Fecunda na vereda o mar impreciso,

Dessalgado isento de olhar molhado,

No frio férreo da estação.

 

A liberdade espreitou-me rasgada,

Dilacerando-me a consciência,

Num despedaçado bocado de alma,

Não possuo mais tempo ou vontade,

De existir até contra natura,

Nesta abraço bocejado de enfado.

 

Quero por inteiro reunir as porções,

Que de mim mesmo se afastaram,

No definho da minha ilusão,

O meu peito concebe o engano,

Que me castra e imunda,

No secura do meu coração.

Entre mim e eu

Entre o céu e o mar,

a terra e o sol,

entre o nevoeiro e o vulcão,

tudo me descreve,

tudo me abastece. 

 

Entre os astros,

e os cometas,

e a estrela que cai,

a que chamam cadente,

fica o meu olhar a poente.

 

O vento esta noite perder-se-á

Três prédios e metade de outro da cor da luz em final de tarde alaranjada, alumiam o início da noite do dia já morto;
espero conseguir pronunciar as palavras depois de ouvir gemer o contrabaixo que se avizinhou de mim,

e,

depois,

ausentar-me deste pátio a mim regressado.
O vento esta noite perder-se-á nas flores amorosas que plantei.

Verbos in_conjugáveis

Troco o fogo em que ardo pela fogueira que se apagou,

coloco o arco-íris pendurado na minha sala,

e velejo no mar que me inunda, que quase me afoga.

 

Subtraio letras às palavras que penso e não solto,

abstraio-me do mundo que lá fora tem cores que se movem,

e eu, aqui, transbordo de mil ideias de que não me desfaço.

 

Olho uns retratos que me olham,

conjugo verbos inconjugáveis,

e a saudade, é a única palavra a que não subtraio letras ao sentir.

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