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Cardilium

Cardilium

Se até as flores rebentam nas pedras,

Se até as flores rebentam nas pedras, como pode o amor morrer em mim?

Se o amor é uma morada sem endereço por ser habitação permanente e imutável, pode a temporalidade despejar-nos dessa direcção como se não cumpríssemos o pagamento devido?

O amor não tem preço, tem um simples valor incalculável, sem quantificação em medida de troca comercial possível.

O amor tem tanto de fogo como de mar, tanto de dilúvio como de planície.

O amor são os dias todos em que vivemos mesmo desapaixonados, porque o amor não é a paixão.

O amor é o precipício que fica depois da razão, bordado a arco-íris como uma lança acertada no coração dos que amamos, de todos os que amamos assexuadamente amados.

O amor é a soma dos momentos em que quero bem, em que me quero bem.

A elaboração do amor torna complexa a sua simplicidade.

O mesmo sítio não é o mesmo lugar

Estamos sentados no mesmo lugar de olhos postos em lugares diferentes. As nossas palavras são as mesmas mas soltam-se e entendem-se disformes nas cores e nos sons.

 

Os teus lábios murmuram as mesmas lamúrias que as minhas mãos, mas nem eu te toco os dedos, nem tu a mim me beijas os lábios,

 

Os meus prantos não os sentes e, eu, não sinto os teus sinais vertidos.

 

Estamos sentados na mesma pedra defronte do mesmo horizonte mas, não somos o mesmo futuro depositado no mesmo destino.

 

Porque não levantamos as amarras, nos abraçamos, e partimos?

A solidão entre gente é mais solidão que dentro da gente

Olho em redor e não reconheço as caras de uma vida. As casas coloridas confundem-me e, sinto-me perdido nesta demência tolerada. Cheiro a chuva ainda ela está para além das nuvens, numa outra estação distante.

 

Junto desta baía os cigarros cheiram-me a bálsamo doce e os sorrisos encantam com um ar despreocupado que carregam, o que a mim me dilacera.

 

A solidão entre gente é mais solidão que dentro da gente. É maior.

Voo

Passei,

Disse bom dia ao amor.

 

Ao amor dei,

Ao amor amei.

 

Despedi-me do amor com amor,

E com o amor voei.

Palmo e meio

Meio palmo de gente,

Palmo e meio transformada,

Semente foi em útero fecundada.

 

Voa a cada descerrar dos meus olhos,

A cada sonho teu pronunciado desejo,

Que cada continente te receba em enxurrada.

 

Nascente cálida, púrpura lua, altiva,

Dos céus me encantas esplendorosa,

Como o teu rosto no dia em que me nasceste.

Fogueira

À roda de uma fogueira que pode ser volta também,

Absolvo-me,

 

Volto ao regresso do alimento das palavras,

Ao ajustamento,

 

Aos ínfimos poderes que tenho de me nutrir,

De concertar a minha alma,

 

À roda de uma fogueira que pode ser volta também,

Queimo as palavras para prosseguir alvo, os dias de decisão.

Ecos e surdez

Publiquei palavras que nunca te disse,

Que habitam longe de ti,

Ignoradamente distante,

Palavras lindas,

Palavras terríveis,

Ecos,

Surdez.

 

Publiquei o luar,

O mar,

O grito rouco e roufenho,

O mistério,

A dúvida,

As palavras empanturradas na garganta,

Publico aqui … esta orgânica existência.

Se existem estrelas e não as posso tocar para que serve o céu?

Se existem estrelas e não as posso tocar para que serve o céu?

O céu é a casa das estrelas e da lua,

Gostava de tomar um banho de céu como de mar,

E sentir as estrelas,

Como sinto o sal.

 

Por que razão as montanhas não são varandas?

Se tão verdes são os prados nas encostas,

E eu sou sereno sorrindo,

Verdejando adentro do que sou,

Murmuro baixo para não incomodar os astros.

 

Gostava de me vestir de nuvens,

Trajar de chuva,

Abrigar-me na lua,

Celeste percorrer o poente,

Contrario ao sol nascente.

 

Para que servem as estrelas no céu, se não as posso tocar?

A sombra pesa

A sombra tem o peso do fresco dela mesmo,

As manhãs terminam mais as tardes,

Restam as noites que temo que se excluam conjuntamente.

 

Resta-me de um mar agonizado onde me perco,

Mais um nevoeiro de papelão caído,

E as hostes dos mandatários da cobardia.

 

Resta-me uma esperança vã,

E uns homens embonecados de fatos caros,

Que escrevem leis que me obrigam a aceder.

 

Resta-me um País desfigurado,

Desculturado, oprimido e angustiado,

Sem revolução vigente que se revolte.

Devolvidas as lágrimas

Devolve-me as noites bravias em que possuíste a minha alma,

Em que seduziste o tempo à sua redução miserável,

E ostentaste como um trofeu todos os enganos.

 

Pelo menos devolve-me a esperança,

E podes permanecer com o que possuíste,

Mais a lágrimas que voltarão disfarçadas de saudade.

 

Volto assim regressado à vida,

Envolto em flores que o meu jardim não secou,

Abraçando os pedaços de poesia que sobram de mim.

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