Adormeço numa noite que já é dia,
A luz espreita a madrugada,
Seca-me a boca o sentimento,
No horizonte nem é dia nem é noite,
Nem há espaço nem abraço que me console,
É como se o oxigénio tivesse sido substituído pelo sal,
A vizinhança exerce os costumeiros e rotinados ruídos,
Ainda sonho adormecer breves minutos,
Para que os meus olhos fundos ganhem tempero,
E a minha boca solte gemidos.
Acordo com o sol misturado de lua,
Numa manhã que ainda é noite na minha alma.
Fragmentos feitos de não sei o quê percorrem-me o corpo,
Espero nas noites em branco os dias arrastados,
Tenho saudades de dormir e acordar entusiasmado com o dia,
Não entendo este pesar de uma cartilagem inexistente,
Esforço-me em esforço para que passe.
Sei de umas pílulas grandes e vermelhas que me secam a boca de plástico,
E me enxugam a alma por instantes,
Dou mil voltas,
Não encontro a tal posição,
Percorro os minutos afogueados do relógio despertador à espera da manhã,
Sento-me,
Caminho,
Caminho,
E sento-me.
Acredito na próxima viagem.
Sinto-me dono de umas chagas que não cicatrizam.
Suspensos bailados adornam-me o espirito,
Mais a lua que se põe tardia,
Bravo mar este,
Difuso.
Dicotomia do entendimento,
Desespero,
Limite das labaredas do tempo,
Êxodo de terra que me há-de sepultar,
Nem que sejam somente cinzas,
Nem que seja somente,
A suspensa e inacabada vontade de mim.
Parto novamente sem regresso atempado ou concluído.
Encontraram-se as letras na praça velha em ruínas,
Para recordar a dor da paixão,
E tornar o amor decente,
Inventar palavras cálidas,
Que purgassem a dor latente,
Das ruínas reerguidas,
Da vida que não morre na gente.
Homem nenhum tem um final,
Nem a ninguém é dado um nome,
Escarpas efémeras são o itinerário.
De luz?
Só a lua se enche …
De mar?
Só a alma compreende…
A nenhum homem nada é retirado,
Porque a homem nenhum nada foi legado.
A morte é o descanso na espera dos que amamos.
Lembro-me de um céu aberto e um sol lindo,
Uma encosta cheia de sorrisos e sonhos inventados por concretizar.
Lembro-me dos rouxinóis a cantarolar e esquivos nos murmúrios,
Das mulheres que tinham as mãos como os homens,
Da criação dos filhos, e o manter cheiro a lavado pendurado nos entendais brancos de roupa.
Lembro-me dos meus primeiros acordes copiados, das mãos de quem já sabia usar as cordas todas da viola,
Das noites de verão compridas e cumpridas,
Das estações serem delineadas como os corpos das primeiras raparigas em que reparei,
Dos sonhos desfeitos que fui tendo pela diferença,
Da miséria que se tornou no paraíso, e o inferno adulterado.
Vivo como uma enxurrada renovada e diária,
Tenho rios feitos de veias nos meus braços,
Pensamentos de montanhas, e um céu de pássaros às cores a habitar-me no peito.
Tenho a Natureza como amante e o sonho como caminho,
Tenho escassos amigos, uma filha, e ainda um pai e uma mãe,
Tenho-me a mim recordado, reinventado e progredido.
Não sou igual a ontem,
Esse é o alento de me saber diferente,
Divergente,
Urgente,
Permutável e isento,
Num amanhã que aguardo entusiasmado por me saber para além de pensador,
Um fazedor de sonhos alcançados.
Borrifou-me a chuva antes de aqui chegar.
Antes o sol tinha-me queimado a pele e florido o meu sentir.
Sempre lá estás com as manhãs, abreviando o meu acordar,
Sempre te despedes como os finais de tarde para me poupares a despedida,
E eu amanheço mil vezes por dia,
E despeço-me adiando intemporalmente a ausência.
Acendo velas à esperança que aguento,
E esvazio a solidão num ápice,
Quanto mais depressa mais dói e mais depressa sara,
Coloco as minhas asas e solto livre o pensamento,
Num voo nocturno a lua e o abismo salvam-me.
Sempre lá estarás com as manhãs, aliviando o meu acordar.
As lágrimas suaves e serenas escorrem quentes e molhadas.
Ardentes !
Sabe a segredo o teu olhar, perceber a sua angústia ainda tem vários dias de caminho pela frente. ... A noite encaminhará a paz!
Num jardim à beira de um lago numa infernal roda pálida e esbranquiçada, anda de mão dada a concórdia.
A tristeza não tem tamanho!
A tristeza bebe-me em goles sôfregos e desordenados, a acalentada esperança de retorno.
Numa espera desabafada encharco o lençol que me embrulha.
Queria mais do que existir!
As paredes separam as noites e as janelas entreabrem as estações.
O sol queima torrado a marginal iluminada de um nevoeiro denso e pousado, geme agua pela calçada que a cobre.
Salpicado por momentos de luz, desço em direcção ao norte, em direcção ao porto de abrigo, aberto para o mar.
Esbracejado pelo mar!
A sul perco a esquecida fantasia.
Sabedor dos caminhos que percorri, deixo-os.
Espero por aqui, o que o vento me trará!
- Mil textos depois, a vida inundou todas estas e tantas outras palavras que não estas, que passaram da realidade a um sonho muitas vezes debitado em fantasia;
- Mil textos depois de milhares de palavras saboreadas, sentidas, marginalizadas, solitárias, tristes, alegres, ficcionadas, experimentadas e observadas ganharam vida própria, e deixaram de me pertencer para pertencerem as quem as esmagou, leu e sorveu;
- No primeiro dia nunca se sabe do último, ou sequer se sabe do dia seguinte;
- Nestas palavras cabem e sucumbem vida e morte, nascimentos e partidas, amores, desamores e novas perspectivas;
- O que me separa do primeiro dia é o tempo, o que me une é a essência;
- Continuarei … sem retrocesso.
Turbulência enviada dos céus,
Feita de espera e adiamento,
Sem saber se o agasalho é sereno,
Se nos trilhos se, se depositam os pés,
Nesta simples fonte sagrada,
Onde a sede se elimina do corpo.
Abrigado nas arcadas,
Observo rostos voluptuosos,
Desconhecidos são eles de mim,
Disponho paz às sua vidas,
E, lá fora a praça encharcada,
Do frio caído do firmamento.
O homem de fortuna às costas,
Pisa os olhos com o chão,
Não tem abrigo esta noite,
Nem na antecessora madrugada,
Homem livre vivente em prisão,
Sem abrigo prenhe de desilusão.