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Cardilium

Cardilium

Troquei

Tive que me desconstruir para a construir o meu mundo. Tive que mudar os olhos para voltar a ver. Para me voltar a ver.

 

Tive que mudar de mãos e deixar livre a minha decisão.

 

Tive que mudar de pernas e pés, a caminhada da vida usada pesava-me tanto, que não a sustentava carregada em mim. Voltei a caminhar depois com leveza e direcção.

 

Troquei de boca e de beijos, de braços e de abraços. Troquei pouco mas troquei o essencial.

 

Deixei nesta gruta nascente em mim sair a minha essência que, vivia como mineiro numa mina por descobrir.

 

Tive que mudar a mudança, tive que gritar palavras asfixiadas na minha garganta, aprendi palavras novas e outras que nem me lembrava.

 

Mudei de mundo. De barriga. De interior. De mar. De nuvens e arco iris. Mudei e troquei de luz. Subi à lua.

 

Na minha vida todas as trocas, desconstruções e mudanças, foram a expedição com destino a mim próprio.

A sorte que ouso tentar

Sinto pássaros não mãos que me forçam a voar,

As asas que me abastecem,

Neste voo sem direcção,

Destemido,

São feitas de palavras,

Que me entontecem,

De um sufoco na garganta,

Quem me urge a cada manhã.

 

Dilacerar esta voz,

Em poesia alivia-me a alma,

Sem rumo,

Sei,

Apesar de tudo a rota,

É feita de anéis de um cometa,

Que se me entrega,

À sorte que ouso tentar.

Abril quarentão

Soam vozes esquecidas de um Abril quarentão,

A poesia jamais se esquece,

De quem precisa de pão,

E já não há virtude ou ideia,

Ideal em transformação.

 

Idealizaram a sociedade,

De capital e corrupção,

Volta gaivota migrada,

De asas brancas,

Em debandada.

 

A liberdade é feita de povo,

O povo merece a razão,

Subjugada fraternidade,

Miséria já é exclusão,

Volta abril florescido de poemas e reflexão.

Ao chiado

geme o contrabaixo,

e um,

a quem chamam “de louco”,

troca moedas por rabiscados desenhos.

 

as escadas que sobem,

são empedradas pelas que descem,

são perfumadas por um adocicado cheiro que fumega,

dizem ser inspiração,

da musica que se desenha,

com o que se desenha na musica.

 

há jazz ao Chiado do Pessoa,

uma mulher empalidecida pede adormecida,

diz-me ter fome de pão,

e sono de dormida,

desperto-me neste mundo existente,

da musica que me rasga,

do despertar que me sufoca.

 

Há acordes soltos engalanados de cortinados vermelhos aveludados,

 

… ao Chiado!

Jazz ao S. Luís

um homem desgrenhado,
desce a escala de um piano mal iluminado.

é como se amasse um corpo de uma mulher semidesnudado,
elevando na escala ascendente,
entre o dó e o si,
o só de um sol sustenido,
num fá bemol da paixão,
escrito na canção saudade.

nenhuma mulher sabe o que uma oitava faz,
á alma de um musico curvado,
desgrenhado,
num piano,
mal iluminado.

A tua voz perturba-me já

A tua voz perturba-me já a paz

adquirida sem o veneno salgado e avinagrado do teu ser,

ontem tanto como hoje,

durmo o sono leve do pesadelo amontoado.

 

Leva-me mar dobrado, 

o sufoco das noites acordadas,

esta sede de me ter mais que morto carregado.

 

Alma que me entusiasma

e me traz de um poço sem fundo,

tão profundo,

raiado de luz.

 

A tua voz perturba-me já ...

Rosa sol

A luz gela os meus olhos,

A claridade ferve no meu pranto,

Escuros passos sem sal,

Rosa sol,

Palavra prisão.

 

Não tenho mais vontade,

Vivo somente a saudade,

Besta crua,

Mentira repetida,

Transformada verdade em ausência.

 

Queimo etapas em dias de vida,

Como uma locomotiva gasta estações na sua viagem.

Sonhar-te

Entrou assim sem nada dizer,

De cor arrozada,

Purpura,

Quente

Felina,

Disforme,

Sonhada,

Iluminada,

Ao quartos,

Às metades,

Inteira,

Toda e sempre lua.

 

Traz o que me leva a cada vez que se me dá e parte … sonhar-te

Nunca tinha visto um luar assim

Nunca tinha visto um luar assim.

 

Entre as serras abandonadas de homens e o mar invadido de ondas, esculpi nos meus pés e nas minhas mãos a vida com que posteriormente me incendiei. Soletrei dias a fio conversas comigo mesmo, como se a serra, o mar, e mesmo o mundo inteiro, fossem meus por inteiro igualmente, mas estilhaçados de rompantes pensamentos e urgentes dias que sabia vindouros.

 

Amareleci com o sol e escureci com as sombras que me protegeram. Estive desperto mais de mil noites e adormecido nos mesmos mil dias amantes dessas noites. Neste desmedido meu mundo, amadureci um homem menos acompanhado, mas vivo e recebido pelo entusiasmo de se aceitar desacompanhado e só.

 

Acompanhado desta solidão, escuto um mar de gente, um burburinho de bocas sabedoras e teorias inatingíveis, de conceitos silenciosos de tanto se quererem fazer ouvir.

 

Nunca tinha visto um luar assim, entre as serras abandonadas de homens e mar.

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