Sempre vivi num sentido que não o meu,
De cada vez que o encontrei,
Deixou de o ser,
Passei a habita-lo com a vã necessidade,
De continuar esta procura sem fim.
Entendo hoje que não pertenço ao mundo,
Existem vários mundos,
Vários sentidos,
Vários eus,
E uma metamorfose constante e interminável.
Esfrangalhada papoila já sem cor,
Vista dos meus olhos,
Sem odor,
Despedaçado céu,
Pedaços de querença,
Mãos,
Hipérbole,
Fantasma,
Clamor.
Esfrangalhado peito que te ausentaste em fantasia e desamor.
Corre um rio dentro de mim,
Ora calmo e sereno,
Ora sobressaltado e incoerente.
Na nascente rompe de raiva,
As rochas que o sufocam,
Na limpidez das águas jorra vida.
Na foz já corre turvo pelo caminho esforçado que fez,
Mas sente-se ledo e alegre,
Sabedor que vai abraçar o mar.
Dentro de mim corre um rio cristalino e turvo,
Conhecedor do abraço que o espera …
Tens uma guilhotina no olhar que me trespassa o entendimento,
Da tua boca rebentam claves de sol,
Que me embalam.
O sol que jorras ao caminhar,
É semi-difuso,
Tanto o sinto como um aconchego,
Como um vale escuro e frio,
Que me perfura como uma guilhotina,
Com punição e hora anunciada.
A tua blusa desajeitada persegue-me,
Persegue-me nos sonhos que não abandono,
Persegue-me como um desfiladeiro.
E eu,
Ali,
Suado,
Amedrontado,
Sem desabar,
Sem prescrever.
Por ser menor a dor maior,
Arremesso-me a este lugar,
Meu de existência,
Meu de persistência,
Sufoco-me nesta imagem de céu,
De um caminho,
Iluminado de árvores,
Vida,
E paraíso.
Doei-te palavras de poemas,
Gargalhada e choro,
Paisagens de montanhas e mar,
Foz de rios e nevoeiro,
Prados e lagos inacessíveis;
Ofereci-te a nascente de mim.
As minhas mãos escravas nas tuas,
Carpiram rugas não mais desfeitas,
Dentro do mesmo tempo,
Vi escuridão e luz;
A tua boca na minha,
Já é só recordação.
Sorvo no peito uma rocha,
Que sei ser dono de alma,
Que o meu peito já não sente,
O que sinto eu de falta,
Palavras feitas de poemas,
Adormecer na lua alta.
Nascido de um sonho de amor,
De uma mulher sem senhor,
Que livre soube doar,
O homem que lhe calhou no amor,
A uma outra mulher,
Fiz análoga outra mulher,
Que de nome baptizei por filha,
A quem dei vida,
E me devolveu a vida a mim.
Mais do que as datas, faço diário este agradecimento à mulher que dei nome de filha …
porque a vida me deu esse encanto,
num ser humano chamado mulher.
A poesia nas gavetas,
Não faz efeito,
A poesia tem que se cravar na pele,
Na carne,
No sangue,
E na alma.
A poesia não é singular,
A poesia é plural,
É vida declamada,
Numa boca urgente
Que sente.
A poesia é claridade em noite escura,
Abraço na solidão,
Água no deserto,
Mãos que se dão,
A Poesia detém as respostas,
Que a vida sugere,
Que a alma exige.
Quando estilhaça na minha alma o património que construí,
O teu corpo ausenta-se dos lençóis que habitámos.
Nas noites ternas de frio,
Residente na parte de fora de nós,
Os prados verdejantes que foram as nossas manhãs,
Sucumbiram à tempestade das nossas bocas,
Dos nossos corpos,
Como a mortalidade que um dia dissemos não existir.
Ruímos como o palácio,
Que foi o nosso julgado e legado de eterno amor,
Os dias somados de pele e arrepio,
Transformaram-se na agonia que agora pernoitamos,
Ausentes neste descaminhar,
Cor violeta,
Amortalhado.
Saudades esfaqueiam-me na canção que ouvíamos juntos,
E nos embalava no orgasmo conjunto.
Cantávamos: um dia seremos céu e nuvens e não teremos medo do que está para além do nevoeiro”.
A nossa casa ruiu quando deixámos morrer as flores do nosso jardim,
Morreu o nosso querer com o não querer do nosso querer,
Morreu o nosso querer com o não querer da nossa promessa,
Morremos juntos com eles.
As bocas que não dizem as mesmas palavras,
Não são dos mesmos beijos,
E a pele não se confirma na outra.
As mãos que não estremecem,
São as que ficam quietas,
Na tremura de um abraço.
O beijo que enche a alma,
Brota dos lábios que sabe a lua,
E da boca que declara o mesmo desejo.
As bocas, as mãos, a vontade e as palavras … entendem-se.
Aventuro-me mais agora do que outrora,
Arrisco mais a lua,
O luar,
O mar,
E a solidão.
Ouso mais agora do que outrora,
Tento mais eu próprio,
Escolho de dentro de mim,
E a junção de estar só comigo,
Não me causa temor da dor.
Escolho mais agora do que dantes,
Escolho a enseada,
O oceano,
Os poemas e os carinhos,
E não me basta receber.
Se receber for cobrar,
Torturo-me mais do que sempre,
Porque elejo,
Porque penso o que sinto,
E não sinto apenas o pensamento ordenar.
Nem sempre o mar destemido e determinado … é tempestade!