Velhas estas casas onde as arvores crescem dentro.
A estrada subterrada de mato alto já não deixa vislumbrar as janelas ruinosas das fendas que não existem, e de onde já não se avista paisagem alguma. Subsistem ainda os velhos e elegantes quadrados sobrepostos de pedras, construídos por quem deixou descendência que não ousou manter viva, a vida que outrora jorrou em jovial corrente.
Estas são as ruínas da casa da minha aldeia onde a minha juventude já não se pode acercar, mas onde não pára de se inquietar.
Estas são em mim, as ruínas que cuido num pensamento nostálgico da primeira década da minha existência em quietude.
Grito alto um roufenho bramido de saudade.
A saudade não se beija ou acaricia, a saudade verte-se pelos olhos e estrangula-se entre os dedos de um punho cerrado.
A saudade não é o tempo passado.
A saudade existe apenas no presente, existe somente na impossibilidade de se fazer o momento.
As ruínas e a saudade, são ambas, os escombros de uma alma que já sentiu presença.
A saudade é aquela casa em ruínas, onde crescem arvores dentro.
Não tarda e as redes socias ficam cheias de “balanços”. Já cheira.
Já cheira a balanço do género: “este ano foi assim mas para o ano vai ser assado” e, na realidade, não foi bem assim, e não vai ser diferente coisa nenhuma, porque os dias continuam com as mesmas horas, as semanas com os mesmos números de dias, os meses com as mesmas semanas, e o ano com os mesmos meses. A velocidade com que se vive quiçá aumentará, e o adiamento será o mesmíssimo. A doença proliferará, e o tempo esgotar-se-á da mesma estupida forma, e, diremos o mesmo daqui a um ano: “Este ano foi assim, para o ano será assado”.
O diferente na verdade é uma necessidade, nem que seja apenas dita pela necessidade de se dizer ou purgar uma espécie de culpa pelo mau uso do tempo, e assim parecer-nos-á que se libertará de nós na consciência da palavra dita, mas, na realidade, a diferença far-se-á no retirar de: horas aos dias, dias às semanas, semanas aos meses, meses ao ano, tempo para nós, para fazermos coisa nenhuma e ofertarmo-nos oportunidades, para abraçarmos, passearmo-nos de mãos dadas, discutirmos entendimentos, resolvermos questões emocionais, sentarmo-nos a ver o mundo passar, lembrarmo-nos dos vivos, de quem ainda temos, e exultarmos quem perdermos. Tudo o restante necessário entrará pelas nossas casas adentro, virá por acrescento e pela consequente necessidade de vivermos.
Parece-se fácil, mas é uma obra com anos, por começar, longe de ser iniciada.
Por vários motivos e ordem de razão, dispenso felicitações natalícias, anos novos bons ou boas entradas, se eu os quiser, farei por isso.
Escrevo para separar o sentir, e escrevo para aproximar o sentir.
Escrevo para não sentir o comum dos sentires, e escrevo para sentir uma incomum sensibilidade onde não existem luzes coloridas, ou barrocos bonecos carregados de uma fardo sinalizado de religião e profanado sentido.
Escrevo desnudado de coração e adornado de tripas.
Escrevo a escravidão da direcção induzida e a liberdade solta do pensamento.
Escrevo porque não creio, e creio no que escrevo por ser o resultado do sinto.
Não escrevo natais, nem carnavais, nem festas pascais.
Escrevo miséria e liberdade, tolerância e presídio, devoção e afecto, e, escrevo das entranhas fiéis da futilidade vigente.
Escrevo passado na primeira pessoa do presente, e escrevo sonho na forma condicional da fantasia.
Escrevo porque me alivia a mágoa e me seduz o alegramento.
Escrevo incólume e inteiro das partes de que sou construído.
Escrevo porque me alimento de entendimento e me chicoteio da obtusidade.
Escrevo somente porque as letras me bailam nos sentidos, e atropelam as passadas com palavras.
Escrevo para caminhar sem barreiras e clarear nos meus olhos, pensamentos.
Escrevo porque sou escrita redigida de vida.
Felizmente já não há natal, mas há luar e noites brancas com frio. Encantadas.
A inquietação da minha quietude explode-me no peito. A terra remexida desta época desassossega-me. O ébano é o meu farol saciado pelos ventos. Sorrio ao caminho e arrependo-me de seguida. Tenho nas mãos cheiro a eucalipto, herdei do meu pai que tem nos olhos a cor de flor de pinheiros. As serras deitadas ao longe no horizonte, lembram-me uma mulher morena, deitada de corpo e peito salientes. Fico com os olhos baços de água e sal dados pela comoção e saudade. Às vezes sou sensível como outrora, outras, sou duro como a vida. Esforço-me para não o ser, sendo-o. Não sou gente, sou humano. Sou sonho e alcance como as tralhas da feira da ladra o são, com histórias e necessidades.
É isto que hoje me explode no peito, histórias paridas de dentro de mim.