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Cardilium

Cardilium

Travo a animo

Sabe-me a esperança este paladar a travo de ânimo que experimento,

Sabes-me bem,

Pressinto-te ousadia,

Anuncias-te.

Apregoas-te assim constituída de arrojo e audácia,

Trocas-me os temores,

Plantas-me a crença que sabes que careço.

Não alcanço nada fora de mim,

Insignificância esta externa,

Rebuscada procura desencontrada.

O que não encontro habita-me,

Preciso de marcar um encontro, com um ano sabático longe mim,

Muito longe,

Dentro do meu peito.

É na minh´alma que me povoas,

Encubro,

Descubro, 

Maturo,

E parto,

Parto no acto de voltar..

 

Vou onde sei existir a esperança deste paladar, a travo de ânimo.

 

 

Céus e sóis

Duas vidas numa existência é uma dádiva ou um roubo?

 

A uma estrela só se pode oferecer o céu. A um homem só se lhe pode oferecer uma vida.

 

Um homem que nasceu com vida de uma vida, e durante o seu percurso se aproximou da morte, o retorno ao seu legitimado direito de viver é uma dádiva, ou antes foi um desvio antinatural da sua própria existência?

 

É que a vida, pelo que me tem dado a observar, tem momentos mais próximos do seu propósito existencial, uns que outros.

 

As escolhas dessa mesma existência advêm de muitos e diversos factores e momentos. Há os escolhidos adivinhando-se os resultados, os não escolhidos e não aceites, os escolhidos e aceites, os propositados, os desconhecidos, os de alma, os de solidão, os de medo, os de risco, os seguros, os procurados, os ignorados, os intemporais, os das madrugadas e os dos anoiteceres.

 

Se reflicto sobre isto, e reflicto, concluo que o natural acto de existir nos dá existência.

 

A existência apesar de poder enclausurar algumas escolhas é mais uma dádiva do que não, e, enquanto seres humanos, quanto mais nos aproximarmos da liberdade, mais nos aproximamos da vida. Quanto menos nos “pendurarmos” em desculpas, mais cristalizamos a existência em nós.

 

Tudo na vida é feito de dor e paz, de verdade e inverdade, de pequenos quereres e poderes que se tornam em obra, e se transformam em si mesmos, no nosso património emocional.

 

A vida é como a natureza, é uma transformação em crescendo de um aperfeiçoamento pessoal, que com tempo se torna visionário pelas experiencias e amadurecimento pessoal. A vida para ser existência tem que ter, entidade, presença, intuição, assiduidade e comparência e ser.

 

A vida é uma adição de momentos, com subtracções a ela própria pelo meio.

Paimogo

Estes campos estão tão verdes,

Gloriosos,

Encantados,

Perseguidos,

Do mar descido do céu.

 

Esta estrada que me acompanha,

Conduz-me,

Já não sou meu senhorio,

Desesperançado,

Este caminho apresenta-se-me rude.

 

Mais do que ter, sou,

Hipérbole, exagero ou pleonasmo,

Vontade e vaidade,

Diminuta nota de pauta,

Esguia e mítica figura.

 

Braços amarrados de mim,

Sustêm nebulosa paisagem,

Forjada de ausência,

Morta e selvagem,

A ti consagro em presença, esta viagem.

 

 

 

 

 

Outubro

Encantas-me com essa luz emergente que emanas dos teus olhos. Soltas fresco o Outubro nesse andar dançante. A lua dependurada prende-te o cabelo. Descalça, sais com o final do brilho do dia e, na noite, enlaças o mar por inteiro nas tuas mãos. Escutas breve o momento dilacerado do grito da rocha penetrada pelo desaguar da maré. O céu sorri inteiro na tua boca e no teu peito sucumbe a madrugada. Devota, ergues o que de ti te prende à vida, em orações representadas nas planícies que herdaste do vento e marcas na areia. Não és mais a foz, transformaste-te na nascente, abraçada, rejuvenesceste. Renasceste como um jardim branco de rosas reflorescidas. Como um voo recuperado de esperança, terno e longo, como o afago do reencontro com a saudade.

 

Quando me cruzo em ti, um motim incontrolável desconstrói a minha alma e razão. Um precipício obsceno de descaro sai em tremura nos meus passos e em gaguez das minhas palavras. Suo, quase desfaleço de não te querer diante de mim, nem longe do meu espírito. Não sei dizer o meu nome e esqueço o que aprendi. Sinto-me prematuramente ausente, como se, se tivesse apagado em mim, eu próprio. Não sei o que significa amor, dei-lhe um significado inexistente, apenas sei o que significa este desajustado sentir e esta inadequada e intimidada atitude. Já não me revejo, mas sinto que o mundo inteiro me observa, e os amantes me comtemplam, no entendimento que desentendo por desconhecido.

 

Ao invés, tu exalas um ar leve e tens no alaranjado sorriso, o pôr-do-sol no teu âmago. Calças sandálias que te desnudam os passos, e, sei-te, abençoada numa praia onde não vou estar, porque escolhi o som do deserto para a estrelar a minha noite. Tu junto ao mar e eu dentro do meu deserto.

 

Espero reencontra-te no Outubro que soltas fresco na tua imensidão.

3ª feira

Deambulava pela estrada sem sorriso ou alento. Mil ideias feitas de revolução ardiam nos seus olhos transformados em pranto. Era dia de feira, ao longe, ouviam-se apregoados pregões de uns dizeres roucos e roufenhos não entendidos, mas ele sabia que se tratava das habituais ladainhas das terças-feiras de feira. Sabia existir uma multidão em formigueiro, há procura de uma outra multidão, não muito longe da sua solidão.

 

A feira não era apenas um sítio onde se trocava dinheiro por alimentos frescos ou roupa barata. A feira era tudo. Era o encontro semanal de olhares. Os bons dias em saudação habituais. Os sorrisos. As mulheres. Os homens. As crianças. Os velhos. Os novos e os de meia-idade. A feira era a cidade num largo improvisado de vida e reencontro. Era quase uma oração conjunta e simultânea. Era quase a decisão política e o futebol. A revolução e a tomada de decisão. Era o anúncio da maternidade e o obituário. Era a gente séria e a outra. O ébrio e o sóbrio. Os militares e os civis. Era tudo e era ninguém. Era o rio mesmo ali. E eram as caras. As caras feitas de face rosadas e plácidas, o povo e os senhores, as mulheres e as amantes, tudo junto na terças-feiras da minha cidade.

 

A feira é a minha cidade, num largo improvisado de vida e reencontro às terças-feiras abraçada.

Amar

Amar-te com o meu corpo todo?

Por inteiro?

Com todos os meus sentidos?

Prolongamento de mim mesmo?

Amar-te com a força do mar desordenado onde namoramos?

Com a incandescência do sol de verão?

A fresquidão do equilíbrio da madrugada?

A saudade idêntica do nevoeiro onde te espero?

Com os meus olhos sôfregos de estrelas?

O meu peito aberto como um vulcão?

As minhas mãos ardendo pelas tuas, no gelo que me queima, quando não te encontro?

 

Amar-te como prolongamento dos meus cheiros,

Do meu cansaço e sono,

Da meu contentamento ao ouvir-te abrir a porta,

Da descoberta de cada pensamento teu,

Do som do teu silêncio,

Da admiração de sempre inalterada.

 

Amar-te com todo o meu corpo é amar-te com todos os meus sentidos.

É o prolongamento do meu eu que, não quero excluído.

É a inclusão terrena dos nossos beijos feitos de astros e alma,

De cheiro a terra chovida,

Do mar transformado em bonança,

Dos hemisférios fundidos em nós,

Do céu preso nas nuvens,

Dos rios desaguados em nós feitos foz,

Das nascentes arrebatadas e crescentes no leito do nosso amor.

 

Amar- te é não sentir o peito e a cabeça,

Os braços e as pernas,

O andar,

As lágrimas e os rires,

Os devaneios e as conformadas vontades.

 

Amar-te é não sentir dor, e da dor, sentir no meu corpo todo, por inteiro, todos os meus sentidos, prolongamento de mim mesmo em ti.

Amar-te é:

 

-A Maravilhosa Atenção Renovada de Ter E. . . . .  Ser.