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Cardilium

Cardilium

Creio que se de mim ...

Quando no final do caminho me detive, reencontrei-me com a necessária solidão que preciso e me acerta, como um processo biológico que me regula psiquicamente neste meu pequeno mundo, que visto com os meus olhos é gigantesco. Os dias não se detêm nunca. São como a vida. No meu recôndito e sublime prazer gemo, grito, segredo, e balbucio-o uma reza construída de mãos baixas, como se jazessem já antes da hora, e o desígnio fosse antes de proferido. Recansaço é uma fadiga em forma sentida e saudosa de mim, que nunca deixa de me habitar. Esta exígua semente cai-me escorrida pelas testa em forma de suor exausto, depois, vertida nos olhos retempera-me e devolve-me o sonho, e, é sempre assim e nada muda, para além da necessária solidão que me mantem desperto, enquanto ser social desembandeirado de embuste. Afinal como há muitas palavras atrás, os poetas silenciosos e mortos, retornaram a uma Grândola que volta a ser morena.

 

Creio que de mim nem eu já solicito o amor,

Já nem o amor me solicita a vida,

Retorno à montanha e espanto-me de cada vez que espreito o mundo.

 

Creio que de mim já nem o abismo me inquieta,

Verde-mar este de demência onde,

Náufrago me atiro rouco e sem grito.

 

Creio que em mim sempre foi nunca,

E nunca sempre foi nada,

E nada sempre foi tudo.

 

Creio que em mim o invisível é a loucura,

E nada o entendível,

Tudo é óbvio e inacessível.

 

Creio que se de mim se desenlaçassem os braços,

Sugaria da sede que tenho,

Esta crença feita desgraça.

Possuo, cedo e sonho

Quando, de dentro de mim cedem as árvores e secam os ribeiros, compreendo que nada possuo, mais do que de nada posso.

 

Quando, uma gritaria me invade sem que o silêncio se sobreponha e organize, a minha mente constituída pelo meu peito compreende que nada possuo, mais do que de nada sou.

 

Quando, de dentro de mim culpo o meu lado de fora, compreendo que não sou o homem que entendo ser e não possuo mais, do que o homem que me habita.

 

Quando, já não é um pronome a forma morfológica e a sintaxe que me orienta, desenquadra-se do meu juízo que não possuo ou arquitecto, uma debandada de vento do que já não penso.

 

Quando, se retira o como, o quê, o porquê e o quando, e neles embarcam o mar todo adentro, mais o fogo, a demência e a alucinação, sinto-me como que eliminado e excluído, desentendido, demitido e atordoado, como se uma droga inócua e ao mesmo tempo fortíssima se construíssem de elementos e, neles, existisse a morte enviada ao meu encontro terreno.

 

Quando, nada possuo, nada mais posso. Nada suportando apenas possuo os meus sonhos, e os sonhos são, a primeira forma de posse.

 

Possuo então mil sonhos das cores do arco-íris. As palavras que dançam neste baile interminável em que se transforma o meu cérebro, secundam as emoções a que chamo fantasia, quimera e devaneio.

 

Os sonhos não partem de mim porque são os meus anseios. Em mim, eu sou mais do que o sonho que possuo. Sou a vontade de continuar a sonhar para sempre.

A loucura é um exercício de sanidade

Há pessoas que nasceram para sugar ou tentar sugar o amor-próprio do próximo. Não há sádicos, existem apenas masoquistas. É sempre o próprio que permite ou não, o mal ou a agressão de que é alvo. O poder da subestimação é, na maior parte das vezes uma compensação de alguém, e a transferência para si, do que não lhe pertence ou jamais poderia pertencer. Esta coisa de nos acharmos muito frontais em contraponto com a assertividade é uma tontaria. O povo diz: “quem diz o que quer, ouve o que não quer”, nada mais certo e adequado para os que defendem e proclamam: “eu cá sou muito frontal, desculpa”.

 

Em sentido contrário viajam os assertivos que, ao invés, procuram no entendimento e no outro, o respeito do seu sentir, mesmo opinativamente discordando, e o respeito por si próprio. Assim sendo, mesmo muito rebuscando, não encontro e não conheço frontais/assertivos, ou auto-afirmativos. Conheço somente assertivos, ou frontais/agressivos que são outra estirpe que me assustam e afastam.

 

Cada vez que alguém me diz: “eu cá sou muito frontal, desculpa” eu desculpo imediatamente. O que a minha experiência e observação humana me diz é: cuidado, parece do género não chegaremos nunca a um entendimento, que a minha mente é praticamente capta e incapacitada de ajuste, e sigo o meu caminho.

 

Errar é a forma mais humana de crescimento. Não saber é a oportunidade de nos revermos e reavaliarmos, devia ser obrigatório quadrimestralmente. Ensinar é muito mais aprender. Loucura é um exercício de sanidade. Diferenciação é a aceitação dos iguais mais do que as diferenças. Questionar é um convite a ouvir mais do que escutar. Equilíbrio é um trabalho inacabado.

 

Amar é não saber que se ama, por ela própria ser uma obra incompleta, sem tempo possível de realização. Amar é apenas um dia a seguir ao outro. Compensação é, o que retiro da dádiva que no meu tempo ocorre.

“Buena-dicha”

A minha companheira encanta cada dia arrancado da minha vida. Enfeitiça com cada sorriso seu a minha boca. A exclamação é a forma como se me afigura e surpreende, a definição de um amor descombinado, antes anunciado no sal de uma madrugada de verão. A última batida desce-me peito abaixo num: amo...renovado a cada dia... Vale a renovação do fogo na forma e no conteúdo. Representa-se o conteúdo na configuração de decisão, reduz-me à dimensão que cada respirar nosso, juntos, exala. A minha companheira sem saber, entende-me e adivinha. Parte sem nunca se ir embora e, fica mesmo quando não está. Sei-a presente da sua presença. A minha companheira arrepia-me a pele e admira as minhas rugas. Olha-me como se me visse pela primeira vez, e, a cada dia, sinto nela o mar e o destino. Sinto nas suas sardas e na sua pele a “buena-dicha”, sinto a vaga que me arrebatou e a maré que me detém. Sinto longínquo o medo e o sono. Faço assim, desta cruzada, uma parte da minha alma que ofereço como tesouro, desta viagem desvendada, intemporal e não anunciada. Desenraizado pertenço-lhe.