A este ano chama-se Dezembro. Vai ser Dezembro o ano todo, sem sopa e pão de uma forma igual e justa. O Dezembro, em Janeiro já foi esquecido. Pensar o outro, é uma forma de exercício em desuso. Não há alegria na avenida da Liberdade, nem liberdade na praça da Alegria. Na estrada da Luz só existem trevas, e, ao Calvário, estende-se a cidade inteira na íntegra e num sacrifício imposto. Em Belém não já não existem estrelas e os astros já não sobrevoam o rio. A cidade está fria e deserta de sorrisos, não existem olhos levantados do chão. Vai ser acinzentado, cor de solidão, por inteiro, este ano. Os vestidos esguios das mulheres não são reparados como outrora. A cidade está desertamente edificada e nos jardins soa inerte o perfume das acácias. Esta estranha forma de existência transpõe-se nas redes sociais, onde a solidão não parece ser solidão, e onde a amizade se confunde com presença, onde o amor se desassocia do tal exercício de pensar o outro, deixado cair em desuso em todos os dias, de todos os meses, de todos os anos. Este ano não passa deste ano. As ideias já não pertencem a quem as tem, já não há quem as tenha registado. As ideias, como a cidade, está obtusa e saturada. Os anjos embriagaram-se e estão recolhidos em adegas, na esperança parca, de que a fé os torne mensageiros. Os anjos, como o ano e a cidade, estão em depressão interior. A cidade lembra-me o ensaio da cegueira do escritor nobel não recordado. A cidade recorda-me do que já não me lembro. A vida não existe enquanto vida, a morte está mais perto que sempre.
Na janela deflorada penduro sóis que guardei,
Brilhos que trespasso,
Em troca de pedaços de vida envelhecida.
Nas escadas defronte da rua que desço,
Calcorreio verde musgo entre as pedras húmidas,
Um rosto antigo revisita-me o pensamento.
Ao céu declino o convite,
E vou.
Parto pelo pensamento, no exercício que quero colher semeado.
Não há alegria na avenida da Liberdade, nem liberdade na praça da Alegria.
A cidade está fria e deserta de sorrisos, não existem olhos levantados do chão.
Escrever ensina-me a pensar, ler ensina-me a ensinar. Surpreendente, de cada vez que me debruço sobre as pontes que me ligam às margens de mim mesmo, descubro que escrevendo me ensino a raciocinar, meditando em fragmentos parte das vezes, fazendo por inteiro da desconstrução racional, construção positiva do sentir do meu ser. Por vezes apetece-me demitir, sair, correr por-aí-fora sem destino, e sem a noite nos meus dias. Outras, apetece-me ficar dilacerado neste fogo feito de inferno e madrugada em que me reconheço. Outras ainda, quero falecer de mim próprio e ressuscitar do um eu meu que tenho sepultado em mim, e que renasce de cada vez que uno as margens com as pontes que construo. Quando me curvo sobre mim mesmo e me refugio da temperatura que o sentir me altera, renasço das frases que construo, e da obrigatoriedade que me devolvo ao pensar. As pontes são os derrubes dos meus muros. Os meus raciocínios são ofertas das minhas rupturas. Escrever é, o lapidar da minha alma. Ler é, o alimento do meu espirito. Todas juntas sou eu. Nenhuma delas sou o eu falecido, sepultado e por renascer.