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Cardilium

Cardilium

Vida incendiada

Dão-nos uma vida incendiada,

Três cabazes de alegria,

Mil pedaços de tristeza,

E uma esperança fugidia.

 

Pregam-nos sermões na lapela,

Boas maneiras decoradas,

Uma escola onde não se aprende,

E uma alma degolada.

 

Abotoam-nos com botões de escravos,

Televisão e publicidade,

Mas não nos ensinam a forma,

De viver com a verdade.

 

Permeiam-nos a alma erma,

Saturam-nos de representações,

Mas na esquina da saudade,

Oferecem-nos ilusões.

 

Abastam-nos de covardia,

De salários cheios de fome,

Dão-nos redes sociais,

Com frases de outros disformes.

 

Retiram-nos o pensamento,

As lágrimas e o sentir,

Escurecem o mundo de rosa,

Ensinam a mentir.

 

A crise morre solteira,

Não tem culpa o lavrador,

Compensa o topo de gama,

A poesia do trovador.

 

E assim se mascaram os ditadores,

Da alienação colectiva,

Sobrevivem os pensadores,

Desta besta selectiva.

 

E assim faço da palavra,

Como o Zeca fez do tormento,

Não há machado que corte,

A raiz ao pensamento.

 

Não me prostituo ou castro,

Dos meu conceitos ideais,

Irei firme demitir-me,

De fascistas e jograis.

 

E pelo sono dos justos,

Do pai que sou abençoado,

Serei filho, trabalhador e amigo,

Poeta, pensamento e ... apaixonado.

A transposição das almas

A insónia de ansiedade, na procura do meu eu de verdade reconhece-me. Não antes ainda, havia reconhecido no meu ser, a poesia do amor. Os seres apaixonados discutem e passam por crassas e dolorosas formas de sentir, mas, ultrapassam tudo isso porque querem seguir apaixonados a senda que os une. Os não apaixonados não pretendem o desgaste da não recompensa do amor. A isenção de querer pela troca física de ter, esmorece e varre o trabalho que dá construirmos em nós, a projecção do nosso eu adiado. Verosímil carregado e confiante, as muralhas derrubam-se e erguem-se a pulso nas ruínas que o ter, houvera construído em prol do ser. O sono da inquietação e a agonia intelectual do ajuste alcança as asas do universo, e, momentos há, em que o mundo parece ser um lugar aprazível e coerente. Por cada transformação metafísica alterada, uma subjacente luz se enche de energia e caminho, de dádiva e de presente repleto, de bonança e confiança. Os delírios cerebrais permutam-se em lírios e açucenas, a partilha não é uma esquiva forma de estar, é uma constante e sentida forma de ser. Ser e ter é antagónico ao sentir e possuir. Não se possui o que se tem.

 

Possuir é: o descompromisso de estar.

 

Ser é: a divisão das almas que se completam, que se querem e que se têm, sem a pertença de se terem. É a liberdade dividida do amor, pelo amor da transposição da divisão das almas.

 

 

Sofazando

Pudesse eu desigualar o vício que em mim sucumbiu e já seria mais do que eu mesmo. Formas redondas acariciadas por vozes centram-se no meu âmago ferido já sarado. A monumental orquestra rege-se a cada compasso que a pauta inquieta solta. No meu peito um embalo pertence-me.

 

A vida não é o dia em que se vive.

A vida é: a soma dos dias em que vivo.

A vida é a demonstração que vivo, existo.

É a melodia que me encaminha.

São as teorias erradas antes das certas e das aperfeiçoadas.

São as minhas fundamentadas mentiras transformadas em verdade.

São os meus enganos desenganados.

São meus conceitos de nada e de tudo o que não sabia pois, isento de vida, não se achava experimentado.

A vida aprende-se arriscando lágrimas e sorrisos.

A vida não é o dia de hoje.

O dia de hoje é apenas o dia de hoje.

 

Se o dia de hoje fosse vida, a vida não seria uma vida, seria apenas um dia. No entanto, um dia pode valer uma vida. Há dias feitos de uma vida, esses, recordamo-los como dias de alvorada. A vida, recordamo-la como os dias que nos juntaram o destino à alma, ao espírito, à luz, e ao sentir. Todos os dias sentidos foram vida. Os outros, são perdidos na procura do que não se encontra restando.

 

Encontrar não é achar. Disponibilidade não é apetência para se ter. Vida, dias, lágrimas e sorrisos, são a álgebra emocional, é o que nos fecunde a alma, alimenta o espírito e nos prepara para ser existência. A vida é uma alucinante viagem que exige quietude. A fé é, um desconhecido embrião que se agiganta em nós, de cada vez que beijamos, quem realmente nos beija. As bocas não são mensageiras de adjectivos ou hipérboles. As bocas são simplicidade e lábios suaves de ternura. As mãos são quem nos conduz. Abraços? São os apertos de quem nos acaricia de vida.

O que experimento tempera-me

Foi demasiado amor naquele prado de verde prado. Foi danada a saudade dentro da barcaça feita de amor e mar. É tanta a maresia a cada madrugada de insónias que se libertam sonhos durante o meu sono. Foi, era, e é, são o acordado debutante dos meus dias. A liberdade dá espirito e vontade ao libertino pensamento anunciado. A invisibilidade do que me é essencial aos olhos atropela-me a acção descomandada do coração. As escadas que subo antes e até ti, sôfregas, ainda me espancam o coração. A cada degrau o meu grito ensurdece-me num vulcão que me segreda: espero-te. Os teus olhos embriagados nos meus cederam. Embebedamo-nos juntos, rebolamos, e soltamos palavras voluptuosas e suaves, acerca do nosso enfeitiçamento. Gememos de amor feito por nós e de nós, e, adormecemos a sorrir em cada noite passada. As árvores que se erguem à altura da tua varanda já me escutaram e balançaram, num vigilante comprovativo de alma. Rompe-se o silêncio calmo da cidade que já não é. A serra espreguiça-se e, não longe, o mar sucumbe esperando ser visitado. As terras aradas e remexidas são de cor castanho fresco. O céu não é azul de mar e o mar não é cinzento de céu. A tua boca sabe a azul fresco da manhã e faz em mim desvario. Abraço-te, saio para a multidão e cego de gente. O meu dia é feito de uma mistura que não sei descrever ainda, tal é, a forma robusta que me veste o que sinto. A chuva, o frio e o sol destemperam-me, o que experimento tempera-me.

Sonho retornado

Se nas minhas vísceras se fundem algoritmos em construção ordenada,

Nas minhas veias entranhas de um desconhecido mundo se unem e adequam,

No entanto, de que serão feitas estas palpitações sensoriais.

 

Será da subtracção dos dias ao somatório das horas?

Será do intervalo da viagem, da agonia, e do regresso?

Ou apenas a vil dor de querer sarar a saudade.

 

Se a saudade se desunha e fadiga,

E se o abraço nos une e apazigua,

De que será feita a lua e a tempestade?

 

Se a lua se espelha calma e luminosa no teu rosto,

E a tempestade se declara terrífica no meu peito,

Reflecte-se assim sereno, cada momento nosso inventado.  

 

Como a lua e a tempestade se confirmam em nós?

A lua num abraço!

A tempestade nos nossos corpos!

 

Assim se coaduna momentaneamente e integram as nossas almas, num eterno e plausível instante de eternidade e sonho retornado, realidade e paixão.

Chove torrencialmente dentro de mim

Chove torrencialmente dentro de mim. Brados sufocam-me a visão e desentendo-me com o desconhecido. Desabituado a desconhecer o trilho, só me resta oferecer a minha mão e deixar-me guiar. Adormeço sossegado nesta turbulência que não o é, quando em presença. Todos os dias menos um, foram iguais na minha existência. Do menos um ao dia decisivo passaram todos os dias, e todos os dias juntos foram iguais. Momentos iguais progrediram em mim em regressão, uns amorfos, outros desencantados, uns feitos de um falso domínio, outros de conhecimento, mas todos eles albergaram a mentira do entendimento e a compreensão da anti entrega.

 

As ruínas apenas deixaram de o ser, depois da obra nova estar edificada. A surpresa da escolha, do escolhimento, ou apenas da disponibilidade do sonho, tornou real a conversão interior numa alteração partilhada.

 

Quando o céu se debruça e nos toca, as nuvens irradiam uma fragrância de flor. Quando a terra se rebola e nos atropela não resiste em nós mais o medo, e a confiança tem como resposta a expressão da natureza na nossa pele. A imobilidade do sentir não se explica por palavras elaboradas em conceitos. Entende-se pela luz incolor, cega e brilhante. Quando assim é, não existe querer, existem quereres. Não existe vontade, existem vontades. Não existem poetas, existe em nós poesia e, as canções bailam-nos na cabeça a cada verso vivido. O amor é feito olhos nos olhos, sem pressa. Os orgasmos são confirmados pelo abraço seguinte e o acordar da manhã subsequente. O sexo é mais sexual do que alguma vez o foi e não tem  nome, ou cognome, não carece de dúvidas nem de certezas, é somente a fusão das almas, sem regresso ou avanço, é somente o sorriso e o descanso. É uma decisão interior esta coisa de se entregar o amor.

 

Abundante, solto o rio e escuto o bando que ruma a sul. Copioso, exponho em mim este quadro arrecadado durante anos e planto a árvore da minha vida, num pedaço de terra aguardado, quente e fértil.

 

Chove torrencialmente dentro de mim

Nao ser sem ti

Eu já duvido se eu, nao sou tu,
Tal o meu mundo já é teu,
E o teu, habito-o como meu.

 

Eu já nao sei se o meu cheiro nao é o teu,
Se a minha boca nao são os teus beijos,

E se o teu abraço nao é o meu.

 

Eu já duvido se sei ser sem ti,
Ou se sem ti nao fará mais sentido,
Este mundo novo meu, é teu.

 

Neste meu sentir divido,
Enrolado no teu corpo sou feliz,
Mas mais feliz sou, ser por inteiro ... amor teu.

Picada

Profano, existe este caminho de mácula e embriaguez na desonrada atitude que se produz sensata e emendada. A vida não é apenas o terreno visível, sensorial, exequível, escolhido, dominado ou reprimido. A vida tem, nos dias seguintes aos sucessivos, o deslumbramento da premonição, ela consome-nos sem adivinhação, julgamento, ou ávido aviso prévio. A liberdade é, não sentir a picada quando se é picado. É fluir numa cor, numa paisagem, ou no sossego de uma cantiga escutada ou dedilhada. A liberdade é, voltar a adormecer no cheiro de um abraço quando, era apenas a insónia que vociferava na noite. É voltar da saudade com um sorriso inebriante. É gargalhar na madrugada e na manhã. É sentir que os que amamos amam connosco. Os pais, os filhos, os amigos, os que não sabemos que nos amam e os descobrimos num olhar, num comentário, numa desmanchada observação, num corrupio de arco-íris embuçado. O processo de amadurecimento não se faz com obra. Com obra faz-se isso mesmo, obra. O processo de maturação faz-se em sossego e disponibilidade emocional. Faz-se em retiro, em contacto, em palavras nossas entendidas, em permutas de estares e sentires. Faz-se na observação. A experimentação parte das vezes são recuos à própria vida. Muitas vezes a procura é indigna, é escolher o que se quer sentir dentro do que não se sente. É escutar no ego palavras insensatas e desacreditadas pelos ouvidos. É beijar sem beijos. Caminhar sem rumo. Maré esvaziada sem praia ou perpetuação do um sonho desabonado. É não crer já no que se crê. É a tentativa de dividir o indivisível. É dar sem se ter e receber sem se precisar. Tudo é tão ou mais simples na dimensão real e autêntica do sono justo da verdade. A vida e a liberdade são credíveis anúncios da existência assumida e dividida. É mais e melhor, do que se poderia esperar ser. Não se deita o barco ao mar, para se ficar pelo caminho. Naufragar e navegar são próximos e necessários, mas em nenhuma altura significam desistência. Ser adulto é ressuscitar a criança e a alegria da dádiva de sermos “gente”.