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Cardilium

Cardilium

A antecipação dos vazios

A antecipação dos vazios é-me oferecida pela experiência. Se, se, então não. Se não, então se, talvez. Se talvez, então o se não, pode ser um se, se. O que observo não me faz crer nos “ses”, então, a antecipação dos vazios, é-me dada pelo ensaio transformacional do amor em desamor, ou mesmo pela ilusão do amor, dádiva da carência, ou na mera necessidade fisiológica denominada tesão. Antecipo-o como se o céu se abrisse e fechasse, mediante a chuva ou o calor dele desprendido. Antecipo-o como as criaturas que dizem: “vem lá chuva, dói-me um joelho”. Antecipo-o, especialmente porque muitos dos anos antes e usados, não antecipei. Antecipo porque paro, porque me movo, porque gosto essencialmente de atingir a minha essência. O vento não me derruba, mesmo que caia. Aprendi o destino, aceitei-o com lisura e sempre me levantei. A maré até pode passar por aqui feita de dilúvio ou tempestade, eu tenho raízes que me suportam, conceitos que me solidificam. Já reflorestei o meu deserto e plantei lírios de alento, deles faço a minha âncora de antecipação. A mágoa já não me sabe, é indolor, inodora e incolor, é a loucura e o frenesim dos meus sentimentos, é a antecipação desnudada e visível de um rosto corrente, familiar e natural.  

 

A antecipação dos vazios é-me oferecida pela experiência  

Penso demasiado em tudo e quando supérfluo em nada

O cepticismo castra a emocionalidade, a razão promove o devaneio defensivo da emoção. Penso demasiado. Se pensasse menos não seria eu. Gosto de pensar e saber pensar. Gosto de germinar autocrítica e do poder de decisão crescente e adquirido das minhas escolhas. Se pensasse menos seria mais rude e casto. Penso demasiado em tudo e quando supérfluo em nada. Faço do tempo esfarrapado, bocados de mim. Transformo as minhas decisões em irrecuperáveis estados de ânimo, como se esperasse numa longínqua fila a perder de vista a permuta da minha alma em troca de nada, da miséria e do tempo perdido, no pensar em tudo o que é nada. Sei imediatamente o que é nada mesmo acreditando que é tudo. Sei o que é tudo mesmo que o medo agravativo do nada, me aliene o estado infectado da paixão. Tudo não é nada e nada não é tudo. Nada e tudo são como números. Tudo é tudo, nada é nada. Não adianta transformar somas exactas em formas aleatórias de variantes discretas. Um quadrado é sempre uma raiz elevada e as raízes são quadrados estanques, sem volatilidade aplicada. Tal qual como o tudo e o nada. Nunca tive tudo, mas também nunca tive nada, e não tendo nada já tive tudo.

 

Já tive porções de nada e bocados de tudo.

 

Penso tanto e tão pouco. As folhas continuam a adornar o passeio em frente da minha casa. Adornados em círculos como se pendurantes de brincos de pérolas fossem, num balancé em orelhas adornadas. O céu ficou cinza e morre no longínquo do horizonte. As nuvens desenham no céu a despedida do dia. Ergue-se o cheiro a lenha ardida nas lareiras da vizinhança. Tento adivinhar a vida e fumo um cigarro em frente a este quadro pintado de tudo. O movimento na rua vai-se guardando e amansando. No café da esquina vejo pessoas a conversar em sussurro, como se temem-se serem escutadas. Nunca entendi muito bem a atitude de estar horas perdidas num café a conversar, mas entendo muito bem, estar horas descobertas num café, em silêncio. Gostava que estivesse nevoeiro esta noite. Gosto do anonimato do nevoeiro, da sua frescura, do seu encantamento, e do receio que os vultos me causam. Já me desencontrei de pessoas que julguei eternas no nevoeiro da vida. Já ouvi risos que me souberam a lágrimas e lágrimas forjadas de sorrisos. As segundas-feiras à noite sabem-me a isso, lágrimas desencontradas no nevoeiro. As terças, a lágrimas transformadas num quente e bem-vindo sorriso. As quartas, a trabalho. As quintas, a ilusão. As sextas, a recatamento. Os sábados, a natureza e os domingos a futebol. Afinal, não tendo nada, sou todo por inteiro... E tenho tudo, tudo.

A saudade é como um lago celestial

Quando de ti floresce esse olhar admirado fico cego de ver. As montanhas debruadas no teu peito das minhas mãos não se cansam. Em ti, está aberta a mudança. A minha criatividade rebenta em palavras que imagino e torno-me adjacente de mim mesmo. Aproximo-me de mim de cada vez que te avizinhas de mim também. Ontem, de noite e já tarde, verifiquei que discursava sobre a emocionalidade da inteligência, e dentro de mim outro discurso paralelo se debatia. Dois discursos constantes e desiguais, rodopiavam tão cá dentro em igual e vertiginosa sintonia. Um, era escutado em silêncio por quinze pessoas. O outro foi vociferado e gritado num silêncio intangível que rebentou em mim, e de mim não se excluiu. Duas verdades distintas de um mesmo momento, de uma mesma essência, de momentos distantes feitos da mesma presença. Não se ouvem gritos mudos, mas sente-se a trovoada no olhar, nas marés, e na cacimba que a saudade traz, bradada e desaustinada. A saudade é miserável. A saudade é como lagos paradisíacos no meio do verde paraíso, afeiçoados por caminhos sinuosos, e por trilhos inconsolavelmente inacessíveis. A saudade não existe num sítio que se possa alcançar. A saudade é quente como um vulcão, e só de longe se alcança feita de recordação. Não me posso deitar com a paz nas margens do lago da saudade. Não se pode lá chegar porque fica há mesma distância da proximidade da memória existencial. A saudade é inacessível, sangrenta e gemida como quando se faz amor. A saudade nunca falece, é eterna. A saudade fica cravada com mesclas de património. A saudade é como um lago celestial, belo e inacessível de alcançar, frio e persevero.

Reescrita, a história não se transforma. Inalterável se descoaduna e compõe, e na memoria se guarda infeliz.

Se a maior parte das pessoas vive mal e são explorados, porque continuam a votar e a eleger maiorias de exploradores? Deve ser resquícios mentais, induzidos e facistas, de recomendação católica vigente do cardeal cerejeira, ou efeito da maçonaria tão em voga nos dias de hoje, outro exercício para nos afastar da essência e confundir-nos com essencial.

 

Os trabalhadores trazem nos olhos estaleiros e nas mãos, mãos. Mãos de outras mãos, solícitas e solidárias em vias de extinção, raras pérolas de fermento jogado em terra feudal de sol a sol. Os agricultores carregam cheiro a solo edificado no caminhar. As crianças chorosas não choram burguesia. Choram ausência e desigualdade. As crianças jamais deviam chorar fome ou medo.

 

Se o sol nos aquece a todos, porquê esta surdez autista que matou Catarina reclamando pão e maternidade se mantêm?

 

Os anos dantes são como os de agora, esbanjados por iguais, pago pelos diferentes de tão iguais. Há que os abater. Fechar escolas e hospitais. Castrar ideias. Deseducar. Matar se preciso for.

 

Reescrita, a história não se transforma. Inalterável se descoaduna e compõe, e na memoria se guarda infeliz.

Sabe-me a sangue esquartejado esta boca

A noite desventrada. Embargo massivo numa aldeia distante pronuncia a minha presença. A noite é sempre mais dispendiosa, carece de mais presença e companhia, luz e sotaque, sonho e desalinho, acerto, terra e lua, sol e nevoeiro. Para lá de mim próprio a calçada esbate-se no prolongamento dilatado das palavras. Noites nascem em que o afago me quebraria o pensamento e um olhar aliviar-me-ia desta travessia só e pungente. Sei o que é estar de boca cosida e as palavras abalarem no sentir, e num desabafo encontrare-me só. Magnifico exercício à ironia sublimada. Não pertenço a nenhum lugar fora de mim. Pertenço aqui a este, isento de mãe configurado de pai, com tantos anos, que pai poderia ser duas vezes.

 

Sabe-me a sangue esquartejado esta boca,

Penso na reacção sólida de transformar líquido os alimentos,

Penso em me cuidar cuidando,

Nas horas e nos remédios,

Nas contas adornadas da soma de minutos,

Que quero ver desgastado e gasto este tempo,

Penso que poderia aqui não estar,

Sem saber se em lado algum me afiguro,

Sabe-me a sangue esquartejado esta boca,

Reconstruída de sorrisos que irá herdar,

Deixei esquinas e amargos,

Presença de solidão ao largo,

E vim,

Vim sozinho

E sozinho me acompanho e cuido.

"Deus queira que não seja um caso desesperado de pobreza extrema"

Gente tão pobre com tanto dinheiro, é parte do sítio onde vivo. Onde sou forçado a viver. Onde me adequo viver. Onde sobrevivo vivendo. Milhões em carros e casas. Telefones de um ordenado só e carros do preço de casas. Mesas fartas de comida que nunca saciam a fome. Gente com tanto dinheiro e tão pobre. A gente rica não tem dinheiro tem casa com cheiro e abraços pregados nas paredes, onde os outros sustentam obras de arte, sem perceber que a arte existe no afecto e no colo de outro ser. Gente com tanto dinheiro e tão pobre, que se distrai de cima de um pedestal extravagante, de um narcísico sentir, um destoado prazer miserável de ruínas pessoais. Gente tão rica que se aquece no próximo, que nada tem para dar, mas, que no patamar da igualdade se sossega. Ok, sou da esquerda chique como tu dizes, sou inadequado, anti-social, Édipo-maníaco reversivo e amante por transferência. Sou o que tu quiseres. Mas não durmo quando ponho a hipótese, de que aqui mesmo ao meu lado, talvez, porque não tenho a certeza, colectivamente pai, mãe e filho decidiram morrer sem esperança, essa esperança retirada do medo, de não haver sopa ou leite, na manhã seguinte. Nem cáritas, conferências de são Vicente de Paulo, ou misericórdias, valem a humilhação beata do desespero enraivecido que sinto. Ok, sou da esquerda chique, é como tu quiseres. Mas tenho humanidade dentro de mim. Sinto merdas na barriga e coisas no peito. E tenho lágrimas salgadas que gemem parte dos dias em sussurro. Deus? Jesus Cristo? Entidade superior? Ah ah ah ah ok, está no plinto concerteza, sem tempo para atender, com consultas esgotadas e pedidos agradecidos em notas de quinhentos, na basílica de Fátima, ou numa orgia no Vaticano. Também podem estar entretidos a abusar de criancinhas na Irlanda ou na Bélgica. Não me aborreçam, para não dizer, não me fodam. Assim sendo, sou de esquerda sim senhor. Pode ser da chique, do proletariado, progressista, o que quiseres. Se soubesses a sério da minha vida...rias-te comigo, caríssima colega. Ninguém escolhe ser miserável, é-se escolhido. Beijo.

Vivo de mim, resisti!...

Tu que rasgas de pranto a minha face,

Que me ocultas de saudade a existência,

Devolve-me os meus ofendidos sentidos.

 

Tu que pares desencantos,

Que adias promessas sonhadas,

Devolve-me suave, a saudade.

 

Tu que me esquizofrenizas a existência,

Esfaqueia-me de ti,

O pecado em que te transformaste.

Dilacera-me as lágrimas que gemo,

Dos lábios que temo,

E do sangue do teu gérmen.

 

Semente loira,

Trigo ausente,

Morena tez danificada,

Morto de ti,

Morri,

Mas vivo de mim, resisti!...

A ultima

Rei posto, rei deposto. Assim se afigura cada mês antecessor sucumbido pelo seguinte. Não sou de euforias só porque de um minuto para outro, tudo muda. Na verdade, nada muda. O melhor que tem a ultima semana do ano dividida pela fé e pelo pecado, é que passam como as outras, e demora o mesmo tempo a passar. A primeira festa da última semana é de fé e suposto recatamento, para ganhar forças para pecar, na pro-sequente de forma consolidada e memorável. Numa alienação colectiva revejo os olhos, ora baços, ora vazios, ora esgazeados de trevas e purgas adiadas. Enfeita-se o país mais que as almas. Os dias não se sentem e as noites são bocados miseráveis de palavras que se soltam, banalizadas. Os abraços não se dão, emprestam-se por breves segundos, desculpados de um ano novo, usado e igual. Os sorrisos são alterados e induzidos, e a névoa atraca no porto de mar embaciando e adiando a realidade por umas impensadas horas. De manhã não está tudo igual, está tudo pior, mais roxo lírio agreste.  Mais viva, está a crueldade da solidão que se pintou de presença mentirosa. Os meus dedos vagueiam por uma escala e inventam uma musica de três acordes e parcas palavras quase defuntas de tristeza. No meu âmago sobrevive o caminho que tracei, as escolhas com que sonhei, a forma e o conteúdo do amor de sangue e dávida adjacente a quem amo. Não sou de muitos amores, sou de bons amores. Sólidos, revoltados de tempestade e vida em mim. Estive comigo, logo estive com quem escolhi estar. O melhor que tem a última semana, é que tem as mesmas horas que as outras. As mentes podem-se descontinuar e há mil formas intencionais ou não de o fazer, agora o tempo, esse tem o mesmo tempo de todas as semanas do ano.