A meio da década dos quarenta para os cinquenta, começo a entender o trabalho como uma atitude que não se ausenta às 17h de um dia inacabado, ou numa sexta-feira de inicio de descanso semanal. O trabalho é a desordem entre o desempenho e a necessidade do empenho. O trabalho é-o a qualquer dia ou altura, desde que as ideias surjam como complemento de resolução. O trabalho é cognitivo e emocional, e é um privilégio senti-lo assim. A perspectiva transformasse com a mudança pessoal. Os interesses alteram-se e os objectivos preenchem-se. O trabalho é auto-motivação, capacidade permanente de reinventar o prazer, e o prazer em aprender que tudo se transforma, e que provavelmente existe sempre outra forma válida de o modificar. A resistência à mudança aniquila a reinvenção emocional. A amotivação é o piloto automático em que se vive. Conceitos velhos e sórdidos de que já nada há a fazer. Velhas mentiras, destroços da alma. Longe vai o tempo em que a depressão de segunda-feira era viva. Hoje o domingo é apenas continuação de um trabalho que nunca está suficientemente executado. Inacabado, existo. Tal como a vida, o amor, a perseverança, o aniquilado esforço da fé, faz do dia seguinte apenas e só, subsequência do anterior.
Caiem-te pregas de sorrisos do olhar. O tempo farto está parado pela escassez de correria. Prova-se que o sossego é isento do tempo medido, logo a felicidade é eterna e sem contagem. Descontado é o recomeço, esse sim, efémero. Mil pessoas não nos retiram a individualidade de estar. Imprevisíveis os acordes brotam numa dança cúmplice e sentida. Envergonhas-te ao dançar. Pseudo comprometida, descritiva de descrição. Amas a deus e ao diabo. Os gregos são os teus Adónis e os troianos os teus guerreiros. Existe em mim uma massa a que me dás esse ajustamento, onde existe uma mão cheia de tudo, silenciosa, e uma cheia de nada e ruidosa. Alvitro pensamentos coloridos de sonhos já inventados. Do alto da tua varanda há um moinho. Um moinho que ouve da torre sineira, as badaladas da madrugada acordada e desperta, um mar de sorrisos e afectos. Os lençóis transpirados são parte de um todo feito de vida, feito de mundo. O sossego do empedrado, da praça que vive em frente à tua janela, testemunha o fumo pálido de um cigarro que exalo. Momentos há, momentos tenho, em que me deleito apenas por ser, por estar somente pela dádiva de existir. Ontem revisitei-me num carrossel vertiginoso, onde de cada vez que tentava saltar ficava preso ao medo de me desprender do ócio vulgarizado, pela demência de o dia seguinte, ser igual ao anterior. Na verdade, os dias são todos diferentes, basta saltar para cada um deles, como um filho rompe e se abraça, ao seguro e terno colo do pai. Ontem revisitei-me na normalidade que é existir. Amar não se sabe o que é. Mas sente-se. Sente-se num conjunto de realidades simples e banais, onde reside apenas a dificuldade de sentir a simplicidade. Só isso. Simples. Prazeiroso. Seguro. Possível. Descomplexado. Descomplicado. Colorido. Divertido e eternizado.
Descalcei-me e atravessei o rio semi-vazio, empedrado de seixo enfeitado de musgo, enraizado no leito. Na outra margem sentei-me e fixei o espelho que me presenteava o outro lado de mim. Revi-me, revisitei-me, avivei-me. Há uns anos atrás, tinha iniciado ali a minha viagem. O silêncio apenas despedaçado pela água a correr, é como a fantasia do teu vestido de cetim, na tua pele a nascer. Esta paz, é de um tamanho tão desmedido, que procurei esvaziar-me de mim e encher-me deste momento. Fechei os olhos e reparei numa brisa que não tinha percebido e pensei: - fechar os olhos faz-me sentir mais, descobrir maior beleza e uma satisfação soberba, feita desta mistura natural dos elementos que o ruído me rouba e distrai. Pensei em todas as vezes que me zanguei por estar alheado, em todas as vezes que me maltratei por não ouvir o silêncio gritar dentro de mim, por todas as ocasiões em que me desgastei por não entender a escolha que a natureza nomeia em meu nome. Pensei em todas as vezes que iniciei uma luta desigual, sem compreender que as escolhas fora de mim só podem ser aceites, e que as minhas preferências serão aquelas em que poderei intervir, sem esperar que de terceiros surjam decisões. Apenas de mim posso contar. Apenas as minhas escolhas poderei anular, alterar, ou desfrutar. Do outro lado do rio ouvi vozes mas não me importei, continuei introspectivo dentro da minha vivencia. É importante saber quem sou, onde estou, para onde vou, e reconhecer que não sei exactamente o caminho, e que não existe mapa emocional que me guie. Peço apenas ao meu visceral sentir, discernimento para me deixar levar pelo meu pensamento intuitivo, e capacidade para trabalhar e saber mais das coisas. O tempo urge, é curto e rápido, mas não é traiçoeiro, dá-me exactamente aquilo que eu fizer para que ele me dê. Faz-se muito em muito tempo. Faz-se quase nada em muito tempo. Em pouco tempo faz-se muito e em muito tempo se faz nada. Não voltarei para a cidade, nem para a esquina apodrecida da espera. Ficarei vivo, nesta aldeia inventada e solícita, onde o rio empedrado de seixo, se me ajusta. Hoje, a lua vai estar longa, grande, redonda e brilhante. Tentarei abraçá-la.
A tarde põe-se com o sol. A noite jorra abruptos sons estonteantes que aclamam aquela voz doce vinda do céu. Alguns festivais decorrem momentaneamente. Festivais para não pensar, nem sentir. Não são três dias de música, são três dias de alienação. Filmei um pedaço momentâneo de felicidade e publiquei numa rede social, esta adesão inevitável de contacto e pertença ao mundo. Um dia, deserto adentro, ouvi música na sua forma rudimentar, uma forma mágica que as palavras não sabem entender, mas que o coração sabe explicar. Um sitio onde Robert Plant se encontrou, um sitio longe, um lugar chamado Mali, onde o calor do dia sucumbe ao frio da noite. Um sítio onde a areia é do tamanho de uma duna que cresce de altura a cada passada. Um sítio onde a música se reúne, onde não existem polícias, seguranças, barreiras, ou vedações da alma. Um sitio que fez de mim outra pessoa, e me recuou à essência humana descapitalizada e honesta. Que me devolveu à forma mais genuína de ser, e me confirmou a desconsideração que devo ter, por quem fala do que não sabe, entre delirantes discursos acerca de tudo e acerca de nada. Quem de tudo fala, nada sabe. Quem não se aprova, em delírio puro procura aprovação nos outros. A procura da essência é honesta, o essencial é íntegro. Acessórios são subterfúgios clandestinos e preconceitos do próprio ser, começa nos outros e acaba em nós. Ouvir é melhor que falar, ser é melhor que ter. Neste deserto onde me encontro, nesta noite de lua cheia e estrelas, escrevo e experimento. A saudade faz não me sentir, alexitímico. Anafo a mente, de cada vez que me permito olhar e ver, sempre a mesma desgraça, emocionalidade de copo na mão, nas mesmas mesas, esplanadas e bares, os meus livros, discussões difusas sobre musica de quem não sai do beco, escuro e vil, da maledicência. E há-os de óculos redondos, altos, de voz grossa, de ar frio e distante, os do gueto, os do bar Y e do bar X, os não criativos e acomodados. E há os que se transformaram. Os que fizeram de uma vida ... duas.
Quando se escreve um texto, se ficciona ou observa, existe uma tentativa proeminente, avançar em direcção à verdade, e avançar em direcção à verdade, não significa a verdade absoluta, que é um termo que nem sei sequer se existe.
A verdade que se quer alcançar pode ser faseada, pode ser a verdade do momento, a verdade conseguida, a verdade percebida e/ ou a mensurável.
A verdade transforma-se com as pessoas, os contextos, as prioridades, tal como os termos, sempre ou nunca, são demasiado definitivos, a verdade é adaptável e adiável, especialmente neste País preconceituoso e “distraído”.
“Quanto mais nos elevamos menor parecemos aos olhos daqueles que não sabem voar”, bem como, ser “filho de um deus secreto e selvagem”. Nietzsche.
A verdade pertencente a Heidegger na sua essência remete-me para as não “verdades” que temos como verdade. Aquelas supostas verdades que recebemos todos os dias desde o início de nosso entendimento, a verdade como um todo, a verdade nela mesma, como princípio e fim. O questionar sobre, “qual a possibilidade para falar das coisas? ”E qual a possibilidade de o facto ser coerente com aquilo que se pensa de facto?
Existe a argumentação sobre o erro e a sua importância. Pode haver erro na procura da verdade. O erro faz com que se encontrem argumentos para uma verdade incoerente. Heidegger usa expressões como liberdade, concordância, errância, para se aprofundar no objectivo de mostrar, de que modo a essência da verdade pode estar estabelecida em normas completamente questionáveis.
“A filosofia, jamais pode refutar o senso comum porque este não tem ouvidos para sua linguagem”.
Assim sendo a não verdade explicita-se e cristaliza-se nas emoções, nos devaneios de acreditarmos, que de alguma forma a nossa inteligência emocional desenvolvida, é incompatível com a limitação do desenvolvimento.
Poderão dois seres com desenvolvimentos emocionais diferentes terem a mesma verdade?
Não, não podem, mas isso não significa que não tenham os dois, duas verdades com verdade, significa apenas que a verdade de um, não serve ao outro e vice-versa.
Explica-se isso de uma forma simples repetindo a expressão:
“A filosofia, jamais pode refutar o senso comum, porque este não tem ouvidos para sua linguagem”
No entanto, esta abordagem introdutória apenas ajusta a inverdade das emoções que se quer fazer verdade. O erro vale tanto como a verdade na “possibilidade para falar das coisas”.
Sentir dor é inevitável. Sofrer é opcional. A escolha de dor é-me, ou não infligida por critérios que não os meus, logo desresponsabilizada. Devolver a dor, é ter uma alma pequena e contraria ao que acredito, já sofrer é opcional. Sofrer tem intrínseca uma decisão. As minhas decisões valem muito mais do que a desonestidade intelectual não pactuada. Estes pensamentos gemem em mim, depois da intensidade profícua e descontrolada do entusiasmo da entrega. Vergo-me às escolhas que a vida tem e acredito no entendimento lá mais à frente. Ficar preso nas escolhas de alguém, é impedir o meu próprio crescimento. Nasço todos os dias renascido, sou um ser mutável, atento, perspicaz e de boa leitura social por necessidade. Não ressinto, muito menos quero ser ressabiado, ou perder a ironia dos momentos no ajustamento da insistência adulterada e profiláctica. Pensamento divergente é uma escolha que me faz sorrir, no meio de um campo de milho verde em crescendo. Socorrer-me das estradas de pó molhadas pela rega das emoções, sentir o assobiar do vento na minha face, devolve-me ao sossego translúcido e opaco aos olhos de quem não me vê. Hoje subi a serra e desci um ribeiro, num vale onde ainda soam acordes de malmolência como uma ausência de disposição, moleza, indisposição, má sorte, caiporismo, desdita, calma excessiva; falta de empenho, fleuma, pachorra ardil ou desculpa para evitar algo, subterfúgio, pretexto, jogo de atitudes, gestos, jeito de falar ou mover, consideração positiva, manha, malícia, elegância, destreza, molejo, música. ritmo gingado, característico da interpretação de certos cantores de samba, dançarinos, ou modo característico de porte dos antigos malandros.
Malemolência é também um nome de uma musica, uma noite, um principio e um fim, sem um meio. O resumo de um estado de espirito.
A simetria angular do prédio sugestiona-me ver as sombras agitarem-se. Os velhos e altos choupos pelo menos tão velhos quanto eu, alcatifam o relvado verde de amarelo feito de folhas, emudecem as passadas e calam os movimentos. Tenho uma planície perdida de fim no meu olhar. Descubro-me nestas viagens doadas de tempo completo, nesta metade de País sossegado, que me ocupa e frequenta. Não sei se no litoral troveja e aqui está seco, e a terra em pó. As notícias quando me chegam já são azedeiras. Não sei a Sandra foi mãe, ou a Zulmira enviuvou, se o padre se casou, ou a Palmira do alto dos estorninhos se converteu do malévolo comunismo ao venturoso catolicismo. As minhas noites são as minhas notícias e a minha actualidade é esta metade de País que me ocupa e despreocupa. Uma fase de mim acabada, logo outra iniciada. Estar activo é o meu antídoto anti-dormência, afinal, a minha boa vontade é ainda do tamanho da, “da década de oitenta”, da mesma espessura, mas com um peso diferente e uma medida social antagónica. Divirto-me com algumas palavras que escrevo e sei, serem ou não entendidas, pela metade deste País que me desocupa. Mantenho-me desconhecido no conhecimento fora de mim. Mantenho-me conhecido dos mesmos há anos, e aí ... “não há nunca nada para mudar”. Ter uma vida boa não é a mesma coisa que ter uma boa vida.