O vento acordado e repentino de final de tarde solidificou o beijo na margem da albufeira. Afinal éramos dois conhecidos naquele primeiro abraço, como nos confirmou o rapaz da esplanada à beira rio, onde nos serenámos e sentimos.
O rio faz parte da nossa história,
O rio da tua rua,
O rio do nosso abraço,
O rio do nosso beijo,
O rio da musica que ouvimos passeada pela madrugada,
O rio que plantaste dentro de mim e que corre para a foz, representada nesta metáfora construída de saudade,
O rio do teu sorriso e o mar do teu olhar fascina-me,
Como te posso suicidar, se te suicidasse seria um homicida e estava a praticar um assassinato.
- Mas é o que fazes de cada vez que metes por essas veias dentro essa mistura de pó com água e ácido. Isso é assassinares-te um bocadinho de cada vez, qual é a diferença entre, eu te pedir para me suicidares, ou assassinares-te a ti próprio?
- Não é a mesma coisa e não consigo explicar isso. É muito mais complexo do que possas imaginar. Eu já estou podre. Inverti o sentido da vida. Inverti o sentido de mim próprio. Não estou na posse total da minha liberdade de escolha, o meu espírito não deixa decidir o físico. O meu físico de tão apodrecido que está corroeu a minha alma, as minhas emoções.
- Então porque não tratas o teu espírito e das tuas emoções, para salvares o teu físico?
- Preciso de tempo, um dia irei salvar, amanha talvez quem sabe, o mais tardar depois de amanhã.
Dia após dia, de adiamento em adiamento, aos poucos, arrastou-se e levou com ele quem os amava. Depois de anos sem agarrar o dia como se fosse o último ou o primeiro, apesar da generosidade da espera, esgotou-se a oportunidade, e, um dia já sem forças a morte revisitou-o acarinhando-o, beijou-lhe a testa e num ternurento abraço afectuoso, encaminhou-o em paz. Não sobreviveram recordações ou vivencias, ficaram somente dias acumulados de uma espera amontoada de agonias e escuridão.
Custa-me acreditar na euforia da legalização das drogas, quando me lembro da perigosidade desta doença.
O consumo de estupefacientes mata uma pessoa a cada três minutos, uma "tragédia global" que exige que as vítimas desta "doença prevenível" não sejam tratadas como "criminosos", afirmou hoje o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon. Agencia Lusa
"O vício das drogas é uma doença, não um crime. Os toxicodependentes não devem ser tratados com discriminação, mas por peritos médicos e conselheiros", disse Ban Ki-moon, na apresentação do Relatório Mundial sobre as Drogas, hoje divulgado pelo gabinete anti-narcotráfico das Nações Unidas (UNODC).
"A cada três minutos, alguém morre devido a esta doença prevenível. Estes números representam uma tragédia global", adiantou.
As crianças são particularmente vulneráveis, referiu, pois quando os seus pais são toxicodependentes aumenta a probabilidade de elas próprias consumirem drogas.
Isto expõe-nas ao risco de doenças mentais, crime e violência, além de doenças infecciosas como a SIDA e hepatite-C.
Cerca de 210 milhões de pessoas em todo o mundo, 4,8 por cento da população entre 15 e 64 anos de idade, consumiu drogas no ano passado, de acordo com o relatório.
Estes dados apontam para uma "estabilização" quer do consumo esporádico quer do consumo abusivo, de acordo com o relatório.
"Ao passo que os mercados globais para a cocaína, heroína e cannabis declinaram ou permaneceram estáveis, a produção e abuso de medicamentos opiáceos prescritos e novas drogas sintéticas subiu", sublinham os peritos da UNODC.
Na sua intervenção, Ban alertou ainda para a relação entre o narcotráfico sobre o terrorismo e movimentos armados.
Defendendo ser "essencial uma intervenção abrangente e integrada" ao fenómeno, Ban disse ter criado recentemente um grupo de trabalho para "explorar o que a ONU pode fazer mais através de operações de manutenção e consolidação de paz, actividades de desenvolvimento e trabalho de desarmamento" contra o narcotráfico.
Yuri Fedotov, director da UNODC, apontou alguns sucessos, como o declínio da produção de ópio e cocaína, mas reconheceu que as "boas notícias" são limitadas.
Um dos dados recentes mais preocupantes, afirmou, são novas substâncias não reguladas, produzidas em laboratórios em todo o mundo.
No ano passado, a agência da ONU detectou 40 novas drogas apenas no mercado europeu, algumas das quais imitam o efeito de estupefacientes tradicionais como o cannabis.
Tive um pai que me amou e uma mãe que me cuidou. Um pai que me soltou para crescer e uma mãe que me prendeu para abater. Sem julgamentos, ambos o fizeram pelo melhor, mas até dentro do melhor existe o bom. Esta madrugada sem sono, revi-me em fotos a preto e branco, enquanto soprava o vento e uns pássaros voam cegos em direcção da luz, desafiando-se no ultimo momento antes de se estatelarem. Na calma da noite uma movimentada dança de sons exibia-se para mim. Enquanto isso liguei a dois amigos. Não atenderam, era tarde. O sono teimava em me partir aos bocadinhos de uma fadiga que não me faz dormir. Penso em trabalho, na minha filha e nos meus amigos. Penso na Ofélia, personagem pessoana que tanto me seduz. Vivo um dia dentro da noite e dentro da noite adormeço o dia.
Os bares cheios de fumo de outrora, onde tocava, the cure e talking heads, já não existem. Vivem agora em ruínas dentro de mim, espaços de olhares fixos e fugidios, onde as palavras presas se soltavam, e os corpos esguios, adormecidos e adormentados, se colavam por uma noite prenha de juventude e abertura espiritual ao momento. Não se via magotes de gente em burburinho, era tudo mais silencioso e vivido. Ou eram os meus ouvidos e os meus olhos, que estavam mais sossegados do desassossego da decadência. Era muito bom não ser permitido.
Ofélia rangeu as dobradiças da porta que chiaram e entrou. Tinha um vestido cortado a direito de chita a enfeitar-lhe o cabelo, e uns chinelos de cabedal com uma fivela amarela. O cabelo era tão selvagem como o seu peito adivinhado por baixo do tecido em tons rosa e verde água. Fixou-me como se esperasse que eu lhe dissesse algo. Apresentei-lhe com um gesto no olhar o bailado da passarada em direcção da luz. Deu os passos que a separavam da janela, de onde se avistava o festim. Tentei adivinhar o pensamento que lhe brotou dos lábios rosa, quase da cor do vestido. Não disse nada, nem sei se pensou. Os lábios estavam agora mais da cor da carne. Os olhos fundos e profundos, vertiginosamente acompanhavam as asas debruadas à sua frente.
Disse-lhe: - Senta-te Ofélia.
Sentou-se, como se sentar fosse o prolongamento de um abraço. Sentou-se de uma forma graciosa e educada. As mãos esguias, feitas de dedos compridos, escondiam-se entre os joelhos. Os cabelos mudavam de cor, de cada vez que uma nuvem passava pela lua. Ora a lua a iluminava, ora ela iluminava a noite. Aquele silêncio diário de Ofélia prendia-me. Era como se tivesse nascido com o meu sentir, com as minhas palavras, as minhas lágrimas, os meus sorrisos, a minha esquizofrenia e a minha sanidade. Levantou-se como se o soalho não existisse, silenciosamente do barro fresco de uma bilha, encheu um copo com água e bebeu quase nada. Depois, sentou-se no chão e encostada ás minhas pernas pediu para que lhe lesse o poema que eu lhe tinha escrito. Eu li.
Resta o restolho à seara. Basta o sorriso à companhia. Ao vento chega soprar o trigal. O ribeiro salteia de pedra em pedra límpido a verdade das palavras. A madrugada espera a manhã. A noite a madrugada. Na natureza e na sua forma de expressão, escondem-se as respostas. Respostas redondas, claras e lúcidas. Respostas simples de grandiosidade. As objecções a seu tempo terão o seu prazo. Tempo de lírios e açucenas, período sem negociação. No silêncio descubro o encanto da surpresa no inesperado e no que não decido. A vida decide por mim.
Será isto a fé?
A soma das minhas não decisões?
O acreditar na pequenez da decisão e a grandeza da aceitação?
Será coragem a transformação do que eu posso modificar, e a serenidade a aceitação do que não posso?
E a sabedoria?
A distinção do meu eu pequeno e indefeso numa tempestade no mar?
A fé que eu posso comprar ou negociar não é fé. São conceitos infligidos que se desactualizam com o morrer dos dias que gasto, em resistir a me entregar como o “criar laços” de Sant Exupéry.
O empedrado escorregadio tomado pela cacimba que salpica os desenhos pintados pela paciência de um calceteiro, torna os meus passos mais felizes. Agradeço à minha sensibilidade o divertimento neste passeio onde me passeio. Continuo na espera de que este País volte a ser cultivado de cultura e culturas. Os políticos parecem-me todos iguais. Ora maduros e marcados pela luta, ora de risco ao lado e encantados de sorrisos cínicos marcados pela facilidade, do fácil acesso ao compadrio. Gosto mais dos carrancudos. Dos marcados pela opressão fascista e pela prisão feita na ânsia de liberdade. Continuo à espera, e apenas vislumbro uns sorrisos e abraços combinados das próximas estratégias politicas e económicas mal dividas, ou dividas sempre com o esforço dos mesmos. Sempre os mesmos. Os mesmos a encolher e os mesmos a esticar. Num carrossel de pensamentos neste passeio desenhado pela força do criador, agora sentado em três ripas de madeira de assento e recosto, penso e desisto de conversar sobre esta maneira que às vezes acredito ser única, no meio onde me insiro. Preciso de pessoas que acreditem na força das palavras como transformação social. Preciso de me identificar com o acreditar, de que talvez possamos fazer alguma coisa, se deixarmos de envenenar os pseudos que primam por vestir marcas, ouvir os top´s e ler as margaridas rebelo qualquer coisa deste País. Preciso de quem acredite na força conjunta do pensamento, nos ideais, e quem promova o pensamento divergente, em prol do desactualizado e castrado dos jornais das oito, numa televisão perto de nós. Precisamos de referências e líderes que tenham seguidores, que não sejam os filhos dos seguidores bronzeados em Maio de um País em que outrora Maio..................................................................................................................................................................................
....................era primavera e esperança de um Abril quarenta e oito anos adiado. Na verdade precisamos de regressar. Primeiro acreditar. Depois regressar.
Anda, preciso que me acompanhes. Não me sai do peito este aperto várias vezes ao dia. A impotência que sinto prega-me ao chão. Alturas há na minha vida em que sinto de uma forma muito terrena, o real valor do que sou, do que tenho, do que preciso, do que aspiro, do que recebo, mais do que dou. A vida perde-se ou ganha-se numa resposta, numa decisão, numa vontade, numa provação, na fé e na aceitação. Há eventos que me fazem agarrar o dia como se fosse o último. Valho pelo que sou. O que tenho não vale nada. Um dia deixarei cá, as contas bancárias, as jóias, os carros, os iates, os amigos e os inimigos também. Levarei os sítios que visitei, as pessoas que amei e as que me amaram, os livros e as canções que li, ouvi e escrevi. As vezes que nadei no mar, olhei o céu de estrelas e a luz da lua. Levarei como meu património, os abraços que dei e os beijos que beijei. São minhas as bocas que me disseram que era importante e me beijaram. São meus os cheiros, as cores, a mão que dei, e os sorrisos esboçados por palavras de poesia. Um dia o mar levará as cinzas na maré e o sal verterá em gotas de água, nos olhos de quem de mim sentirá a saudade dos pedaços de mar partilhados. A verdade é vida. A mentira é atalhos para a entropia. Anda, preciso que me abraces.
Trauteio um assobio melodioso dentro de mim desde o acordar. Não me sai. Gosto da música, mas já estou farto. Porque raio não me é ela imune a esta “comichão cognitiva”. Como faço deste miserável acontecimento uma preocupação. Como faço de uma preocupação banal, um importante acontecimento.
E porque não faço eu de banalidades, coisas banais?
E de acontecimentos vulgares, conteúdos emotivos que valham a pena?
Entre as horas em que acordo e aquelas em que adormeço, sinto antes de cada pensamento milhares de estímulos comportamentais que me cansam, que me extenuam, e uma desadequação contínua ao tempo em que existo. O meu tempo é este, é aqui e agora. O meu tampo não foi antes, nem será depois. O meu tempo é este. É este bom momento. É este mau momento. O meu tempo é este assobio que não me sai da cabeça. O meu corpo verga-se e atraiçoa-me nesta estrada, onde uma sombra me convida para explodir frases desconexas e inconsistentes. Amar é uma dádiva. Uma dádiva aprimorada e consistente, do conhecimento e aceitação do outro. Não se tem sexo com quem se ama. O sexo é uma baforada em forma de explosão não duradoura. O argumentário sensorial é uma mescla de luxúria com vontade que o desconhecimento trás. Os anéis de Saturno são, cada um deles, um estágio de conclusões que não se escoram nem se encantam nos avanços e retrocessos, assim como a cor do arco-íris nem sempre nos anima e é fértil e intensa como a protuberância. Estando uma necessidade compensada ou suprida, inteirada ou incompleta, não quer dizer que não exista uma dinâmica consumada de repetições. Repetições de comportamentos sustentados, diferentes conceitos pronunciados em análogas atitudes. Esta tremenda execução do entendimento individual excita-me mais, do que me anima. A individualidade perde-se, quando a soma das individualidades se faz em dois. E dois ou mais indivíduos são um grupo. Eu “cá não vou em grupos” o meu grupo sou eu, assim mesmo, egoísta e translúcido, por isso não me queixo, cobro, ou ataco.
Logo de seguida questionei-te:
Entendes-me?
Disseste-me:
Não é fácil, mas esforço-me. Assim como me esforcei na guerra civil que desencadeei em mim. Assim como me esforcei aquando da invasão permitida. Assim como me esforcei para entender a poesia escrita nos livros que me trouxeste na tua visita. E sabes, não é fácil. Tu não és fácil, mas é nessa dificuldade que me prendo.
E continuaste:
Sabes. Anteontem a Natália Natércia ofereceu-me noticias tuas e eu gostei. Ela é simples e prática. As coisas são como são. Sem saber como as estrelas se posicionam no céu, ela sabe que a ele pertencem, e isso é o que interessa saber, isso basta. Ela sabe que um arrepio na pele é frio, medo ou amor e isso é suficiente. Frio, medo ou amor. Como nunca tinha eu pensado nisso. Ela é sábia. Quando sinto arrepios penso logo no pior, e afinal é apenas e só, frio, medo ou amor. Sou tonta. Anteontem a Natália Natércia perguntou-me por ti e disse-me logo de seguida, e assim de uma forma feia. Mata-o. Admira-me que ainda não o tenhas feito.
Perguntei-lhe então:
Matar de matar? Matar de sangue?
Ela disse-me:
Não. Não é esse matar de sangue. Mata-o da saudade que sentes, do desejo por que sofres e do cheiro bom que ele tem.
Vês o que te digo, ela é feiticeira. Ela sabe que a saudade me mata, o desejo me prende, e o teu cheiro me atordoa. Só tenho que matar em mim, o que me deixas concedido e que nem sequer é meu. A saudade, o cheiro e o desejo. Só tenho que me lembrar, que de cada vez que sentir um arrepio, é apenas medo, frio, ou amor.
Ao longe uma silhueta foi-se transformando visível, de contornos perceptíveis, sentada numa pedra à beira da estrada. Era uma mulher. Carregava os seus restos de dignidade e oferecia o seu trabalho com força que ainda lhe restava. Tinha um ar pesado de quem vive ao tempo, abraçando a chuva, o sol, a geada, o vento e o nevoeiro, tal como eles se lhe oferecem. Numa entrada para o mato assinalado com um saco azul os carros passeiam-se devagar. Alguns parados esperavam o sinal. Homens de ar bonitinho e antiquado, outros engomadinhos de cabelo aparado e brilhantina, sapatos envernizados e pontiagudos em carros com referência de “bebé a bordo”, fizeram-me fazer o resto do filme daqueles personagens dignas de Pedro Almodôvar. De todas, a única de quem eu gosto e nutro respeito, é a silhueta que se me avistou e foi clareando com a aproximação. A mulher moldada na pedra. A mulher mãe a quem a vida destinou um assento de pedra na beira da estrada. A mulher mundo. A mulher feiticeira. A mulher noite. A mulher tempo. O tempo de mulher.