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Cardilium

Cardilium

Jazz´em

Já não choram os meus olhos,

Calma.

Abundam invisíveis lágrimas,

Na minh´alma.

 

Já não experimento mais,

Emudeci.

Não solto em palavras,

O que senti.

 

No céu e no inferno,

Vivi.

No sonho e na fantasia,

Morri.

 

Arrasto-me pela estrada,

Balanço.

Jazem os meus encantos,

Descanso.

Crise em si, em ti, em nós e em mim.

Definição de crise:

Crise (latim crisis, -is) 1. Mudança que sobrevém no curso de uma doença aguda. 2. Conjuntura perigosa; momento perigoso e decisivo. 3. Falta de trabalho. 4. Embaraço na marcha regular dos negócios. 5. Desacordo político que obriga o ministério a recompor-se ou a demitir-se. Crise nervosa: ataque de nervos.

 

Crise em si, em ti, em nós e em mim.

 

A crise pouco me diz. Ainda se fosse meramente económica, vá que não vá. Mas não, ela é intrínseca em nós. Recordo-me do meu professor primário, parca referência de identidade que guardo. Era de Santa Comba Dão e não me tratava pelo nome. Chamava-me pelo apelido, o que até nem me desagradava de todo, já que puxava ao meu pai. Mas sentia-me assim a ter nome de senhor, era estranho, não tinha nome de menino. Ignorância dele, beatismo e castração da minha liberdade individual. Uma crise.

 

Lembro-me da crise que era não gostar dele ou admira-lo. Da crise que eram os julgamentos da irreverência própria de ser adolescente. Da crise que foram os meus relacionamentos juvenis e adiantes. A crise em dizer não e dizer sim, mais a crise de não dizer nem não, nem sim. A crise da descoberta e da afirmação, mais a sexual e a opcional. A crise que eram os dias de chuva e os de sol também. A crise de não ser crente. A crise de ser pensante. A crise das ideias e dos ideais, mais a da negação e da aceitação. A crise do desajustamento e da inadequação. A crise pela crise, somente pela crise, e a existencial similar.

 

Em nome da crise e das crises, abri janelas onde nem paredes havia. Afoguei-me num rio e salvei-me no mar. Cresci num vulcão. Descobri-me num tufão. Caminhei no nevoeiro sem saber da luz. Encontrei-me imóvel onde tudo à minha volta rodopiava alucinante. Girei imóvel no carrossel da crise. Da ironia fiz o meu alento. Ri e chorei das mesmas lágrimas. Amparei-me em seres escassos e carentes. Fiquei mais forte do que a crise e esta ficou mais pequena do que a ilha onde habito, das nuvens onde me balanço, do alto de onde me ergo, do céu de onde me pinto, da terra de onde me escavo, da miséria de onde me encanto, da loucura de onde sobrevivo, da vida, e das sete cores de um barco de íris atracado num porto, na espera feita de partida segura no seu velejar seguinte.

 

Gosto do desassossego desta crise transformada em quietude e feitiço.

Daqui à morte? já falta menos de metade!

Platão sim, Prozac não. Quando a vontade é grande não podem existir grandes dificuldades. A memória do futuro já me tinha dito que a comemoração da liberdade seria esvaziada e vã. Esvazia-se o conceito antes do esgotamento e do ideal. Juntam-se as partes e baralham-se as estações. O teu cheiro primaveril já não se entoa nas canções de Abril. Funestos, os cravos defloresceram antes de reflorescer a liberdade, e de ficarem vermelhos e equitativos. Entontece-me esta agonia, esta desvirtualização demorada da conquista. Entrega-se assim cinquenta anos aprisionados, desalfabetizados, perseguidos, ceifados, interiorizados, ultramarinizados, mortalizados, ensaguentados, mutilados, e historiados numa história morta de moribunda, roubada por uma economia ordenante e castradora, parida por umas coordenadas decididas e sem opinião eleitoral.

 

A filosofia, as pessoas, os miúdos, os velhos, a massa humana e humanizada não conta nestas contas que daí vêm e advêm.

 

Abril já não o é.

 

Abril foi suado numa jornada.

 

Abril morreu.

 

Abril foi uma oportunidade, foi passado.

 

Esmoreceu.

 

Os amantes do Abril novo são os apontados e revolucionários, já não se ecoam os arautos da liberdade.

 

Abril voltou atrás.

 

Abril afogou-se na divisão.

 

Abril já não é um ideal. Já não tem vida.

 

Abril foi esvaziado conscientemente e sobram os espoliados e os apontados.

 

Tenho fome e sede, de uma harmónica gritando Catarina a Grândola Vila Morena.

 

Tenho desejo e vontade da calmaria de uma sombra alentejana.

 

Dos sorrisos sérios por haver sopa e pão.

 

Por ter aberto mais uma escola.

 

Mais um hospital.

 

Por ter sido feita mais uma estrada.

 

Por haver comparticipação nos remédios e por a farmácia ir à minha aldeia, no mesmo dia da biblioteca itinerante cheia dos livros que eu já posso e sei ler.

 

Coisas simples e afortunosas. Coisas novas dadas por Abril, coisas velhas retiradas em Abril. As lágrimas ensopam o papel onde escrevo.

 

 

Daqui à morte? já falta menos de metade !

Surpreende-me com antigamente, pedi.

Surpreende-me com antigamente, pedi!

 

Mas a criatividade da surpresa já não se tinha de pé. Não se sustinha. Tinha-se perdido com os anos. Até as palavras e a soma da raíz quadrada estavam adulteradas. Já não havia mais noites sábias ou acordardes surpreendentes. O mar já não habitava irrequieto o meu peito, a lua não espelhava a sombra do meu caminhar. A comunicação afundara-se na difícil subida da montanha. Se as palavras não encaixavam mais, os conceitos eram outros. Apenas a contradição nos alimentava. Estava na hora dolorosa da partida. A partida é uma decisão. A partida sendo uma decisão pare a resistência. Por ser uma decisão, não por ser uma partida. Isso, ambos o reconhecem.

 

Sei, que acordando assim, todos os dias sem assombro, é apenas uma questão de contraposição a partida. Somos um País de viajantes. De desacautelados viajantes. Partir assim sem rumo, sem maré ou poiso certo, é apenas dar existência há minha vida. Só me sinto vivo perto da morte, ou semi-perto dela. Partir, é sair deste estado moribundo, é apenas dar-me direcção e rédea. Melhor assim não resistir e partir. Pior assim, resistir e ficar.

 

Quero partir com o teu sorriso, com o reconhecimento de quem te guarda e leva. Quero sair sabedor da tua importância, do farol que me iluminou em tantas angústias, o peito que me secou as cascatas de lágrimas, o ombro que acolheu os meus sorrisos. Mas tenho que ir, para sempre, só por hoje vou. E hoje é sempre, e o sempre é o passado, e o passado somos nós. O amanhã não existe ainda. Só existe a noite passada e hoje.

Gestual

... E outras e tantas vezes
a tua boca vida minha
aguarda-me gélido de não te saber aí.
Outras e tantas vezes
aguardo o degelo
a tua explosão.
Prolongamento de ti
meu corpo feito teu,
simbiose,
metamorfose,
dois mundo feitos um.
E nos recantos de ti
e de mim,
aguardamos ordens.
Ordens líbidas
descompassadas
inertes e móveis.
Da vontade que nos aguça
espadachim... ser de paz.
Depois orgasmicamente
fitamo-nos mudos e eloquentes,
invade-nos uma linguagem sem palavras,
uma gestual composição,
que só os nossos corpos entendem.
Se pudesse era aqui que aniquilava o tempo
que parava o mundo
e fazia da palavra sempre... o momento.