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Cardilium

Cardilium

Viagem

Falta no um génio neste País que transcenda, que guie e seja escutado. O nosso barco naufragou. Voltar ao mar e navegar é preciso. É pelos olhos que tudo me entra. Em mim, as imagens são o que escrevo. Estou desconsolado vou estornar o caminho. Não compreendo, como ainda hoje haja quem entenda a guerra colonial como uma aventura.

 

Fazer amor com os pássaros, o sol, o mar, uma flor, uma enseada, ou uma madrugada é tão forte como fazer amor com a mulher amada. Faço amor de cada vez que me imobilizo incrédulo, com o que se me depara do nada. Sou crédulo na mãe natureza. Faço amor com a lua cheia, com os sorrisos e as lágrimas. Faço amor com as cores e os romances. Com os pensamentos e as palavras. Com o que escrevo e o que não digo. Com o que não escrevo e com o que digo. Faço amor apenas porque o amor faz.

 

A coisa mais difícil e apaixonante é ser-se homem. Tenho um pai homem. Não guardo a ingenuidade da infância como sonho. Vou fazer um monumento de imaginação. Esmaguem-me. Já senti muitas vezes patas de elefante. Já me senti formiga. Já tomei banho de sol. Já tomei banho de mar. Já tive o cabelo à garçone e agora tenho-o branco. Sou único filho, como tal, inventor de brincadeiras. Qualquer pintor é poeta e o contrario não. É triste o desentendimento filosófico. Não tolero o abismo entre as pessoas. O manifesto de Dantas, o Cesariny e o Almada ensinaram-me. O O´Neill foi como bruxo, que me abriu as portas e me fez ortodoxo.

 

Meti a liberdade dentro da loucura. Julguei acabar a dormir na rua. É desnecessário saber fazer contas, mas é necessário saber como elas se fazem. Só me tenho a mim. O abismo fascina-me. Já tive à beira do abismo inúmeras vezes. Caminhei por estradas que não havia. Decepciona-me o caminho que estão a dar à liberdade. O mundo está fracassado e o meu futuro não existe. O hoje e a liberdade estão doentes. Sair do labirinto é surrealista. Surrealismo é uma filosofia e não o sinónimo de loucura. Os artistas nunca querem ser artistas, mas também nunca querem ser vulgares. A hiper-sensibilidade é um desígnio de deus. Os artistas também. Juntos são o ADN de uma sociedade.

As Putas

A Puta que ama todos os clientes,

Depois do banho apenas ama,

O seu filho que é um homem.

A Puta que morre todas as madrugadas,

E ressuscita depois de almoço,

Quando vai para o trabalho,

A Puta com sabor a látex,

Corajosa e guerreira,

Que deita nos seus lençóis,

A incerteza do prazer alheio,

E a certeza do alheamento ao prazer.

A Puta referenciada,

Pelos cobardes,

E usufrutuários,

E pelas mulheres dos mesmos,

E as outras,

A Puta mãe,

A Puta filha,

A Puta mulher e humana.

 

As putas sem nome,

São mais putas,

Que as putas com nome,

Dá-me asco as putas finas,

E medo os filhos da Puta,

Que furam vidas,

E entram quando menos se espera,

De espada em riste,

As menos putas,

Por si só,

Aos meus olhos metem-me dó,

As putas putas com decote,

Fantasia, olhar de archote,

E caminhar de nádega solta,

Loiras de semana,

Ruivas à noite,

Morenas de alma,

São como actrizes,

Que representam,

O que as menos putas, ausentam.

Como pode um abraço ter o mundo inteiro nos braços?

Solto ao vento rasgo os caminhos de terra que me retiram o cansaço acumulado. De peito voltado ao céu, cego no firmamento e pouso-me repousado na terra que sobra ao vento baixinho, embalando-me. O mato crescido faz-me sombra e corta a luz forte que me apaga.

 

Ao longe os pássaros em bando desenham flores e cores com o seu voo no céu. Adivinham o acordar do dia seguinte sagrando chuva. Dançam baixo e em redondo anunciado a volta do tempo. De vez em quando existe um feito artista que comanda e diverte os riscos no firmamento. Entretido com esta obra de arte admiro o momento.

 

Relembro os meus amigos na urbe sofrendo em esplanadas cheias de olhares desobrigados de nada e palavras somadas de moda e conceitos arruaceiros e banais, construindo uma imagem que para ser aceite não pronuncia verdades por aí além. Apetecia-me ter comigo aqueles com quem converso feliz e veloz sem balbuciar uma palavra que seja. A magia que privilegio em conversar com o conhecimento adquirido e os raios de olhar que nos aproximam celebrados apenas com um abraço.

 

Como pode um abraço ter o mundo inteiro nos braços?

Como pode um dedo ter tanta segurança?

Como pode a presença ser suficiente para me manter vivo?

 

Por vezes não durmo quando sei alguém acordado e adormeço quando pressinto que alguém dorme em paz. É assim o sentido que faz sentido à minha vida. Desprovido de matéria não peço mais do que o que tenho. O que tenho abasta-me e basta-me. Sou feliz parte das horas do dia e as que não sou, espero pelas seguintes que sei que mudarão, porque como se descobriu empiricamente, não há mal que sempre dure, nem bem que não se acabe … e blá blá blá blá blá … os pássaros riscam o céu e as ondas abraçam a praia.

É como no poço da morte

É como no poço da morte,

É como no poço da vida,

De que cor é o amor?

É da cor dos teus olhos,

Pode ser rosa, violeta,

Escarlate, pérola, marfim,

Tem início e não tem fim

O amor não tem cor,

Tem sabor e sensatez,

Porque se amando uma vez,

Amar-se-à mil dias seguidos,

E mesmo que o amor ausente,

Será sempre presente,

E a cor dos teus olhos,

Mesmo sem cor,

Têm a magia,

Do tom que os teus olhos sorriem,

É como no poço da morte,

É como no poço da vida.

 

Pôr-se....

A vida segredou-me não existir a expressão tarde de mais. Ouvi-o no retrocesso dos dias abandonados por descobrir. Acordar foi o martírio dos dias exilados e ausentes. Nas noites “desensonadas” e transpiradas não existe o sonho. Os deuses para além de desleais estão enlouquecidos, tamanha é a obra verde, azul, floresta, mar, céu, estrelas que concebem a perfeição exacerbada indominável e pacífica. Seduz-me não entender onde fica a foz e cai a nascente. Alicia-me não entender onde o sal dessalga a água e salga as ondas. As guitarras noctívagas gemem mais do que de dia. Os acordes suados encantam mais, tanto quanto a noite se abraça à madrugada. As fogueiras acesas num redondo têm magia, encanto, saudade e presença. Os deuses mesmo não se vendo concebem o cheiro que exala do calor das palavras que adornam as canções feitas de fado, mensagem, alegria e choro, suspirado de prazer. O mote da vida é viver cada dia como um final que se nos apresenta como presente, único, irrepetível, esperançoso, especial, positivo, e com uma luz que não se vê, mas se sente.

Fere

O silencio escutado

Não fere,

Não fere quando sozinho se exprime

E acompanhado se ouve.

Fere quando em companhia

Não se avista,

Se sente gélido e sangrento

No silencio das bocas amarradas.

Do medo de semear palavras

Irreversíveis,

Silêncio que faz o mar

Coragem.

Alucinação

Cansado e bem,

Sem ausência

Com presença e melodia.

O silencio

Não silencia,

O desejo

As palavras por dizer.

Desamarradas

Destemidas,

Destinadas

Encaminhadas.

Amadas

O silêncio fere,

E não fere

E fere.

Estilhaços

Estilhaços de olhares vagueiam na rua que desce quente em direcção à praia que já sossegada descansa. Já passa das onze da noite. Do mar já só se vê a espuma e sente o sal marejar nos meus olhos. Sento-me em frente a ele e reinvento-me. Deito-me na areia e olho o céu que me dá a visibilidade estrelada de que o mundo é redondo. Enrolo-me em posição fetal e aconchego-me de pensamentos positivos e viagens por realizar. Aquele pedaço moreno de mar meu nunca me falha.

 

Só tenho sono nas horas em que estou acordado. Nas horas em que posso dormir fico acordado. A sesta já me faz sentido. Dormir a sesta é fazer de um dia, dois. A morte é irmã do sono. Morre-se de ideias e ideais. Morre-se de amor e solidão. Morre-se apenas porque se está vivo. Posso entender a vida como a opressão da alma e o maléfico querer material a prisão do espírito.

 

Nasci sem roupa porque me vestem no renascer da morte?

 

Quero ser cremado nu, tal como nasci. Quero que numa noite de luar me dediquem palavras sentidas, que falem de liberdade, alegria, igualdade, amor, mar, agua, coragem, alma, vida, paz, magoa, esperança, crença, cheiro, vento, nevoeiro, madrugada, nascimento e morte, mais que despedida.

 

O vento prometeu pegar e levar-me. O mar disse que me sossegasse que me embalaria e a lua anunciou o seu carinho. Das estrelas creio na sua luz e caminho, e do nevoeiro a protecção. Da madrugada para além da cova virá a boa nova. Quero o meu tempo a esfumar-se numa ampulheta de tempo feita de areia fina e branca, banhada pelo Índico do lado de lá do continente, abaixo do Bojador onde não existe pecado.

auto da felicidade

Auto-dominio, auto-imagem, auto-crítica, auto-conhecimento, auto-reconhecimento, auto-estima, auto-controlo, auto-piedade, auto-sensatez, auto-justificação, auto-tolerância, e tantos outros termos que nos transportam à auto-aceitação, são única e exclusivamente meios para atingir o famigerado fim.

 

A contemporaneidade das emoções e a modernidade da solidão dos tempos actuais alerta-nos.

 

Toda esta necessidade e abrangência de depositar em nós a responsabilidade e compreensão da auto-felicidade, declinam ser a nossa felicidade responsabilidade dos outros, em prol de ser da nossa própria responsabilidade, com tudo o que aí advêm, e da dificuldade da sua conquista.

 

Ser feliz dá trabalho. Muito trabalho.

Nascido de Cardilium

 

... Enquanto isso danço debaixo das oliveiras junto ás ruínas que se ergueram dentro de mim. Danço um som quente já partido. Lhasa de Sela embalou-me e manteve-me. Partilhou o meu sucesso nas minhas madrugadas de estudo. Fumou comigo à lua e debruçou-se na minha varanda. Fez quilómetros comigo. Recordo-a quando danço ou adormeço no nevoeiro que brota da terra e faz da névoa mistério. Recordo-a no momento seguinte com a amplitude de sentir o momento presente como nómada. Recordo pessoas por a recordar a ela.

 

Neste bosque que existe em mim perco-me. Perco-me em paz, sabedor que acharei o caminho. Sedento de vida despreocupa-me a morte. Fascinado pelo cheiro rubro que as giestas emanam, imiscui-me de mim num desejo. Sonho sempre antes de alcançar, o que prova que quem sonha sempre alcança e que nada se alcança, sem que antes se sonhe. Sonhar é o primeiro movimento de nós mesmos.

 

É como uma gota de água que faz o rio e a soma dos rios que fazem os oceanos. É como os mares e as marés. É como uma pedra de gelo que é o início da uma avalanche. Avalanche que me tortura e suaviza. É como uma gota de orvalho que é vida numa rosa e lágrima na minha face. É como o som que invento ser a minha próxima canção. É como a letra A ser o meu próximo poema. Poema impensado. Um poema é uma força que desconheço a origem. É mais que uma frase com melodia escrita por mim, por vezes irreconhecível.

 

É neste momento que creio numa força maior que se apodera de mim, uma força incontrolável e desconhecida, bruta e forte como uma tempestade ou vulcão, e, a seguir se torna densa e sossegada como um lago plantado dentro de um pinhal, ou um oásis no meio de um deserto infindável. É vida que se entende depois de ser vida.

 

Retalho de agua viva

Retalho,

Agua viva.

Seara,

Vida.

Um bocado,

Um pedaço,

A vida toda,

Num abraço.

A bênção,

O céu.

A estrela,

Manto e véu.

Altar,

Celebração,

Feito mar,

O coração.

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